outubro de 2011

DECLAMA-TE OU TE DEVORO: O POETRY SLAM E A CELEBRAÇÃO URBANA DA POESIA FALADA

Roberta Estrela DAlva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Imagine uma semana em Paris, na França, na companhia dos 15 melhores slammers do mundo, no maior evento de poetry slam da Europa, a Coupe du Mounde de Poesie Slam?

 

Poetry slam? slammers? Coupe du Mounde?

Nunca ouviu falar?

Ok! Vamos do começo.

 

Basicamente, slams, ou poetry slams são encontros de poesia falada (spoken word) e performática, geralmente em forma de competição, onde um júri popular, escolhido espontaneamente entre o público, dá nota aos slammers (os poetas), levando em consideração principalmente dois critérios: a poesia e a desempenho. Resumindo: o slam é o “esporte” da poesia falada.

 

Até aí não há tanta novidade, uma vez que a ideia de competição entre poetas é “mais velha que andar pra frente” e de maneiras diferentes, sempre esteve presente em vários contextos culturais, desde a Grécia antiga, passando pelos cantadores medievais, chegando ao repente brasileiro e ao ritmo e poesia das batalhas de MCs, só pra citar alguns exemplos.

 

Mas além de seu aspecto competitivo, o poetry slam vem ganhando espaço e popularidade mundial e tem conquistando cada vez mais adeptos por conta de seu caráter comunitário e inclusivo. Idealizado nos anos 80, em Chicago, Estados Unidos, por Marc Kelly Smith, um trabalhador da construção civil e poeta, o poetry slam trouxe uma renovação para os maçantes encontros de leitura de poesia, popularizando-se rapidamente pelo país e logo se propagando por todo o mundo. Estima-se hoje que existam pelo menos 500 comunidades de slam em países como Irlanda, Inglaterra, Austrália, Zimbábue, Madagascar, Israel, Singapura, Polônia, Itália e até mesmo no Pólo Sul e no Havaí, sendo que as maiores comunidades fora dos Estados Unidos estão na França e na Alemanha.

 

A diversidade é característica marcante em um encontro de poetry slam, onde pessoas das mais diferentes idades, crenças, orientações políticas e filosóficas reúnem-se em comunhão para ouvir e falar poesia. Uma grande celebração coletiva, uma verdadeira “zona autônoma da palavra”, onde o sagrado direito à expressão é exercido e o tempo cronológico é suspenso e substituído por um “tempo poético”.

 

 

 

 

Zona Autônoma da Palavra, aliás, é o nome do primeiro slam do Brasil, que acontece em São Paulo promovido pelo coletivo Núcleo Bartolomeu de Depoimentos. Apelidado de ZAP!, esse slam acontece toda segunda quinta-feira do mês e não há limitação de tema, nem critério seletivo para participar. As únicas regras são as mesmas dos slams internacionais: os poemas devem ser de autoria própria, com no máximo três minutos, e não pode haver acompanhamento musical, figurinos ou adereços.

 

E onde entra Paris, os 15 melhores slammers do mundo e a “Coupe du Monde de Poesie Slam nisso tudo?

 

O poetry slam cresceu tanto desde seu surgimento que dezenas de grandes campeonatos nacionais e internacionais são realizadas todos os anos ao redor do mundo. E um dos mais importantes desses campeonatos é a Copa do Mundo de Poesia Slam, que acontece em Paris, promovido pela Federação Francesa de Poesia Slam (sim, uma federação! eles realmente levam isso bem a sério por lá).

 

Desde que soube da existência do poetry slam comecei a pesquisar sobre o assunto e quando tive conhecimento da existência de campeonatos internacionais quis muito participar. Um dos mais importantes desses campeonatos gringos é a Copa do Mundo de Poesia Slam, que acontece em Paris, promovido pela Federação Francesa de Poesia Slam (sim, uma federação! eles realmente levam isso bem a sério por lá).

 

 

 

 

Através de um toque sobre o evento, dado por uma amiga slammer que mora na Bélgica, minha participação começou a ficar concreta e uma semana depois de ter entrado em contato com a organização e enviado meu material para ser avaliado, eu era a representante do Brasil na Copa do Mundo de Slam! E então minha aventura começou…

 

A Copa do Mundo de Slam acontece juntamente com o Grande Slam Nacional, sempre durante o mês de junho. A esquina da Rua Julien Lacroix, no bairro de Belleville, onde fica o Culture Rapide, um dos mais tradicionais bares de slam de Paris e “QG” do festival, foi o ponto de encontro dos poetas onde a língua falada era a poesia 24 horas por dia. Além dos 64 (!) slammers dos “times” franceses que desembarcam para campeonato nacional, 16 slammers internacionais também circularam por ali.

 

Brasil, França, Inglaterra, Gabão, Ilhas Maurício, Dinamarca, Suécia, Portugal, Finlândia, EUA, Holanda, Bélgica, Rússia, Escócia e Canadá foram os países participantes da edição deste ano. Durante os cinco dias de duração do evento, quando não estávamos assistindo (e competindo) nos torneios, invariavelmente estávamos: 1) falando sobre poesia, ou 2) declamando poesia, ou 3) assistindo alguém declamar poesia. O bar, o parque, a rua, a lanchonete, a praça do centro cultural Pompidou, as escadarias da basílica Sacré Coeur, o metrô… qualquer espaço se transformava em arena para os slammers em questão de segundos.

Deu pra imaginar agora?

 

No primeiro dia do campeonato fui só pra assistir, pois fazia parte da chave do dia seguinte. Eu esperava que os caras fossem bons, mas fiquei chocada com o altíssimo nível das performances e das poesias (que o público acompanhava com traduções em inglês e francês numa legenda que ia sendo projetada ao vivo atrás dos poetas).

 

Logo vi que não iria ser fácil. E de fato não foi. Na verdade, no meio de tanta energia, de tanta pressão e de tanta poesia posso dizer que essa foi uma das coisas mais difíceis e mais emocionantes que já fiz na vida. Passei pelos primeiros quatro monstrões, por mais quatro na semifinal e chegamos à grande final!

 

 

 

 

No último dia, o tradicional “Le Marroquinerie” estava lotado e eu tinha uma torcida grande. O público gritava “Robertááá” cada vez que eu era chamada. Eu era a favorita! Mas, enfim, jogo é jogo. Por um triz acabei ficando em terceiro lugar, atrás do Chris Tse, do Canadá, segundo colocado, e do David Goudreault (também do Canadá, mas representando Quebéc – o lado francês),  que foi o campeão. Um resultado prá lá de bom, considerando que não temos tradição de slams por aqui e que, embora eu tivesse experiência como slammaster (apresentador e organizador dos slams) esse foi o primeiro campeonato do qual participei na vida como slammer de fato (ou seja, estreei direto numa copa do mundo!).

 

Enfim, cheguei à final e estou – o Brasil está! – entre os quatro melhores slammers do mundo, pelo menos neste ano.

 

E tirando o slam em si e a competição, o mais incrível dessa experiência toda foi o encontro e a troca com todas aquelas pessoas inacreditáveis, com todos aqueles contadores de história urbanos, vindos cada um de um país totalmente diferente, com culturas diferentes, com ideias e experiências tão diversas. Depois ainda segui para Londres, onde fizemos, em parceria com o coletivo Braziality, um ZAP! London (nos moldes do que o Núcleo Bartolomeu promove no Brasil), e pro Festival Silêncio em Portugal, onde me apresentei com um slammer português e outros vindos da Alemanha, Espanha e Itália.

 

Encontros. Muitos encontros poéticos e diversos.

 

É o que fica dessa incrível experiência.

 

Sinto que muito ainda há para ser desbravado, e num país que é tão rico no campo das oralidades como o Brasil, o poetry slam tem muito a crescer. Por tudo que vi e conheci (e por tudo que ainda quero conhecer e ver), sou cada vez mais uma entusiasta e divulgadora do slam, pois realmente vejo nessa modalidade uma maneira eficaz para que o livre pensamento e a livre expressão tenham mais um espaço garantido. Vislumbro nesse “esporte” uma maneira potente de se relacionar, e posso afirmar por experiência própria que, num mundo onde cada vez mais nos é exigido jogo de cintura, o slam tem me ensinado a jogar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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NOTAS DE RODAPÉ

 

NÚCLEO BARTOLOMEU DE DEPOIMENTOS – TEATRO HIP HOP
Formado pelos atores Eugênio Lima, Cláudia Schapira, Luaa Gabanini e Roberta Estrela D’Alva, o grupo foi criado em 1999, e tem como foco de sua  pesquisa de linguagem o diálogo entre a cultura hip-hop e o teatro épico.

 

ZAP! ZONA AUTÔNOMA DA PALAVRA
Primeira noite de Poetry Slam (campeonato de poesia) do Brasil, o ZAP! acontece toda segunda quinta-feira do mês na sede do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos.
Rua Augusto de Miranda, 786 – Pompéia

 

MARC KELLY SMITH
Nascido em 1949, em Chicago, o poeta também é conhecido como Slam Papi.

 

FEDERAÇÃO FRANCESA DE POESIA SLAM
A Fédération Française de Slam Poésie existe há dez anos e é um orgão oficial que reúne e organiza a cena do poetry slam na França. Além de campeonatos nacionais, também promove a Copa do Mundo de Slam além de outros campeonatos internacionais.

 

 

 

 

 

 

Roberta Estrela DAlva

ROBERTA ESTRELA D´ALVA é atriz-MC, diretora, cantora, pesquisadora e slammer. É também membro-fundadora do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, da Frente 3 de Fevereiro e idealizadora e apresentadora do ZAP!. Atualmente desenvolve projeto de mestrado sobre voz, oralidade e performance na PUC/SP.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.