setembro de 2010

PROTAGONISTAS, SIM! AS MULHERES E O SEU LUGAR NO RAP NACIONAL

Christiane Gomes

 

 

 

fotos MANDELACREW

 

 

 

 

Foram mais de 20 anos de exclusão, preconceito e machismo. Desde o início da década de 80 (quando o movimento Hip Hop desembarcou no Brasil por intermédio das equipes de baile, das revistas e dos discos vendidos na rua 24 de Maio) há poucos anos atrás, elas, as minas, tinham que vestir calça larga, falar grosso e rimar sobre temas masculinos para poderem ter certo respeito na cena rap. Hoje, porém, os tempos são outros e, finalmente, já podemos dizer: Rap também é coisa de mulher, sim senhores (e senhoras)!

 

Este vagaroso processo de democratização do rap nacional talvez tenha sentido a verdadeira força da mulher no Hip Hop em 1995, pela voz rouca da MC Dina Di, que junto com o grupo Visão de Rua transformou a música “Confidências de uma Presidiária” em um clássico das periferias brasileiras.

 

De lá pra cá, a cena Hip Hop, em especial o rap, passou a dar mais espaço à feminilidade nos beats e arranjos das suas rimas. As mulheres, é verdade, são as reais protagonistas dessa conquista. Com charme, estilo e um microfone nas mãos, hoje elas dividem as proezas e tristezas de pertencerem a um movimento que segue sendo marginalizado em nosso país.

 

E para saber como as mulheres analisam o atual cenário do rap feminino no Brasil, O MENELICK 2º ATO trocou uma idéia com as MC´s Lurdez da Luz, (vocalista do Mamelo Sound System que lançou recentemente um elogiado disco solo) e Tielly Queen (coordenadora do projeto Hip Hop Mulher, que reúne minas que atuam no movimento de todo o Brasil).

 

Para elas, muita coisa ainda precisa acontecer, embora a mudança caminhe bem. Mas uma coisa é fato: as minas precisam correr atrás e buscar sua originalidade. Com a palavra, as mulheres do rap.

 

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O MENELICK2ºATO – O Hip Hop é um ambiente muito masculino?
Lurdez da Luz – Acho que antes era necessário meio que se masculinizar pra poder chegar junto e ter um suposto respeito. Mas hoje isso não é mais necessário. Você não precisa estar de calça larga ou fazer uma rima sobre o universo masculino, tipo treta, rua. O que eu vejo agora é um rap feminino mesmo. Não só mulheres fazendo, mas rimando sobre suas vidas e seu universo. É muito legal isso, e é bem recente. O rap com cara de mulher tomou uma proporção e chegou ao público não faz muito tempo.

 

OM2ºATO – Quais os principais obstáculos para as Minas terem um lugar ao sol no rap?
Tielly Queen – As mulheres não tinham confiança porque os homens não davam abertura para elas se sentirem confiantes e assumirem seu espaço. Hoje a confiança é mais forte. Outra coisa é a autonomia. Sempre tinha/tem algum namorado, noivo, irmão, o que for, dando idéia e assumindo a “responsa” do trampo, por exemplo. A sociedade machista e patriarcal já injetou essa idéia de que a mulher tem que cuidar da casa e dos filhos. Mas aos poucos isso tem que mudar! As mulheres estão mais autônomas e fazendo acontecer como cantoras, grafiteiras, DJ´s e b-girls.

 

 

OM2ºATO – Os homens estão respeitando mais o trabalho das minas do rap?
Lurdez – Sinto isso com o meu disco. Tá rolando geral dos caras curtirem, ouvirem, mesmo eu falando de coisas que não fazem parte diretamente do universo deles. Talvez o que atraia seja o som, o resultado final da música, a sinceridade com que ela foi feita. Mas de modo geral, o que eu sentia antes era um certo desinteresse pelo que as mulheres estavam falando. Como se a gente fosse inferior. Rolava muito essa postura. Hoje está mudando, mas ainda tem bastante coisa pra acontecer.

 

Tielly – A principal conquista é a libertação. A mulherada está mais envolvida e com liberdade de fazer acontecer. Está aproveitando o conhecimento para mobilizar, realizar e articular atividades com temáticas voltadas aos seus interesses. Dando mais confiança às outras mulheres e multiplicando ações pelo país inteiro. É assim que se faz Hip Hop. Estou com o Hip Hop Mulher há 3 anos na batalha, mas tem vários outros coletivos de mulheres que estão aí fortalecendo e garantindo mais espaços pelas cidades. As minas estão seguras, com voz ativa e partindo pra cima, sem medo!

 

 

 

OM2ºATO – E daqui pra frente?
Lurdez – As meninas têm que correr atrás: estudar, buscar uma originalidade dentro do trabalho pra poder se destacar e se desenvolver musicalmente. O importante é chegar com um trampo consistente e não desistir fácil. Tem que insistir e tomar a frente da sua carreira, saber que linha seguir, que mensagem passar, se informar, se ligar nos beats, ler e colocar na rua. O espaço está aí, cada vez mais aberto. Cantoras de música brasileira, músicos que tocam vários estilos, estão se interessando pelo rap de uma maneira bem maior do que no passado. Acho que rompemos a barreira de que o rap não é música. Daqui pra frente a tendência é o rap chegar ao mesmo patamar de outros ritmos musicais. E as minas estão fazendo parte desse todo.

 

Tielly – O caminho é ser autêntica. Ter respeito ao trabalho da outra/o. Tem gosto pra tudo. Então, tem tipos de hip hop variados pra conquistar ou levar uma idéia para todo mundo. Sabemos que estamos em um momento em que tudo se copia, mas o “diferencial” na cópia é se irá chamar a atenção. O caminho é trabalhar o conhecimento para conquistarmos mais espaços e realizarmos mais atividades, publicações, CDs, shows, etc.

 

 

 

SAIBA +

hiphopmulher.ning.com

myspace.com/lurdezdaluz

 

Dina Di
No início dos anos 90, com o grupo Visão de Rua, fez muito barulho na cena rap nacional com a música “Confidências de uma Presidiária” (clássico das periferias brasileiras). É vista como a primeira mulher a alcançar sucesso no rap brasileiro. Faleceu, por decorrência de uma infecção hospitalar, no dia 19 de março deste ano, aos 34 anos.

 

Rua 24 de Maio
Assim como as imediações do Metrô São Bento, a Rua 24 de Maio é o berço da cultura Hip Hop no Brasil. Foram dos encontros ocorridos nesses dois locais durante os anos 80 que despontaram nomes reconhecidos do gênero, como: Thaíde, Dj Hum, Região Abissal, Racionais MC´s, Nill (Verbo Pesado), Sérgio Riky, Defh Paul, MC Jack, Styllo Selvagem, Doctors MC´s, Shary Laine, M.T Bronks, Rappin Hood, entre outros.

 

 

Christiane Gomes

CHRISTIANE GOMES é jornalista, mestra em Comunicação e Cultura pela USP e coordenadora do corpo de dança do Bloco Afro Ilú Obá de Min.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.