julho de 2012

AZAGAIA: PALAVRAS CERTEIRAS

Elizandra Souza

 

 

 

 

 

fotos Cassimano

 

 

Edson da Luz, conhecido como Azagaia, 28 anos, é hoje o principal nome da cena rap da República de Moçambique, e também uma pedra no sapato dos governantes e das minorias abastadas que comandam o destino do país africano. Nascido no distrito de Namaacha, província da capital Maputo, Azagaia iniciou a carreira musical entre o fim da década de 90 e o começo dos anos 2000, formando ao lado do rapper Escudo o duo Dinastia Bantu.

 

Um ano após o lançamento do álbum Siavuma (2005), único disco do grupo, a dupla se separou. “Escudo se afastou da música, na verdade ele continua até hoje, mas já não dá as caras. E eu, como tinha vontade, continuei”, conta. Com a Cotonete Records (produtora moçambicana de Hip Hop) Azagaia lançou Babalaze (2007), seu primeiro trabalho solo. Ainda durante o pré-lançamento do single do álbum As Mentiras da Verdade, muitas polêmicas. A música – que levanta suspeitas sobre o envolvimento do governo sul-africano na morte de Samora Machel, primeiro presidente de Moçambique após a independência do país – foi censurada pelos meios de comunicação do país e, como tudo que é proibido… No dia do lançamento do disco foram vendidas mais cópias do que o esperado.

 

Um ano depois das desagradáveis ocorrências envolvendo As Mentiras da Verdade, mais confusão. Em 5 de fevereiro de 2008, boa parte de Moçambique foi tomada por greves e violentas  manifestações populares contra o aumento na tarifa de transportes. Inspirado no conturbado episódio que deixou ao menos três mortos (as acusações sobre os óbitos recaem sobre a polícia moçambicana), o rapper escreveu a música Povo no Poder – onde diz em um dos trechos:

 

 

Já não caímos na velha história/
Saímos pra combater a escória /
Ladrões /
Corruptos
Gritem comigo pra essa gente ir embora/
Gritem comigo pois o povo já não chora

 

 

Não demorou e o artista, suspeito de “atentar contra a segurança do Estado”, foi convocado pela Procuradoria Geral da República a dar “explicações”.

 

Os atritos entre o músico e ativista social com as autoridades do país africano, porém, não param por aí. Em 30 de julho de 2011, Azagaia foi preso em Maputo quando estava a caminho do lançamento do vídeo clipe A Minha Geração que, assim como a grande maioria das músicas que compõe, tece duras criticas ao governo e a sociedade moçambicana. Após uma revista policial foi encontrado no bolso do produtor do artista um pequeno cigarro de maconha (em quantidade permitida pela lei moçambicana). Azagaia ficou detido por 48 horas. Na ocasião, houveram várias manifestações em solidariedade ao músico.

 

Atualmente o rapper prepara o seu segundo álbum solo. Algumas faixas e vídeo clipes deste novo trabalho já estão disponíveis na internet. Para o desespero do governo moçambicano, a lança de Azagaia continua afiada, certeira e letal.

 

 

 

Quem é Azagaia e qual o significado deste nome?
Azagaia sou eu, um rapper de intervenção social. Azagaia significa uma lança de cabo curto. Um instrumento de guerra africano. Eu escolhi esse nome porque sempre achei que a música rap tem muito haver com intervenção social, e pegar numa arma sendo um MC faz todo sentido. Escolhi esse nome também para relacionar minha identidade africana à minha música. Pois o Hip Hop é uma cultura ocidental, hoje em dia é uma cultura global. Acho que cada lugar tem que buscar uma maneira de nacionalizar o estilo, através do nome, através de alguma percussão, um ritmo. Foi também pensando nessa lógica que escolhi Azagaia.

 

 

Quando você se aproximou do Movimento Hip Hop?
No principio não era Hip Hop, era só a música rap: a arte de colocar idéias e acontecimentos com ritmo em cima de uma base instrumental, e só. Isso em meados de 1997, quando comecei a escrever as primeiras letras na escola com um grupo de amigos. Até então não entendia bem o que era a Cultura Hip Hop. Isso só veio acontecer a partir de 2000 ou 2001 mais ou menos, quando gravei minha primeira música. Na ocasião eu já tinha mais conhecimento sobre o que era o Hip Hop. Então primeiro eu me apaixonei pelo rap e só a seguir que eu soube que o rap faz parte de uma cultura bem maior.

 

 

Fale um pouco sobre sua trajetória no Hip Hop
Tudo começou com o Dinastia Bantu, criado por volta de 1999, 2000. Nós, escudo e eu, éramos muito fãs de Wu-Tang Clan (grupo norte-americano de rap) e o nome do nosso conjunto tinha muito haver com esse “fanatismo” que tínhamos por eles. Como você deve saber, o Wu-Tang Clan tem inspirações na cultura chinesa, o que envolve muito este lance de dinastias. E a gente se apegou a essa palavra que é uma expressão de força, de reinado, e que tem haver com o Hip Hop também. Então incorporamos o nome Bantos que são os povos daqui. O que fizemos foi importar essa filosofia e relacioná-la com coisas mais nossas. Lançamos nosso único álbum em 2005, Siavuma. Essa é a historia do Dinastia Bantu. Em 2006, Escudo se afastou da música, ele começou a trabalhar e eu fiquei no ataque meio desprotegido. Só fazendo ataque sem a minha defesa. Mas como tinha vontade, continuei solo e fui firmando o nome Azagaia. Até que no ano de 2007 saiu o meu primeiro single As mentiras da verdade, que fez com que o país inteiro me conhecesse.

 

 

 

Influências e inspirações?
Uma grande influência que eu tive foi o Gabriel O Pensador. Ouvi músicas como O Resto do Mundo que dizia “eu queria morar numa favela”, e isso me agradava muito, não entendia a profundidade das letras, mas me agradava muito a descrição daquela realidade. Gosto muito de Talib Kweli, Mos Def e da linha mais consciente do Hip Hop americano. Mais recentemente também passei a acompanhar o Valete (rapper português).

 

 

Você tem ouvido rap brasileiro?
Além do Gabriel (O Pensador), ouvi e tive contato com Marcelo D2. Também gosto bastante do MV Bill e as formas da sua música, que eu me identifico mais. Já o 509-E e o Emicida eu conheci recentemente e estou gostando de ouvir. Dos Racionais MC’s, que é um grupo lendário no Brasil, curto a maneira explicita que eles falam das periferias. Eu sei que vocês (brasileiros) têm milhares de grupos, mas estes são os que eu conheço.

 

 

O que significa dizer a verdade em Moçambique?
Dentre os vários significados que essa palavra pode ter em Moçambique, eu vou dizer dois. Por um lado é um ato de coragem, de justiça, de liberdade. É um pouco viver a democracia que acreditamos que existe, formal e oficial que existe aqui. É um exercício de transparência. Politicamente falando é uma ferramenta para exercermos a democracia, valorizar e deixar que seja ouvida a opinião da maioria, o que o povo diz e o que o povo sente. É essa verdade que queremos que seja cada vez mais dita e ouvida. Por outro lado, eu diria que é quebrar um pouco com a tradição, não sei se vou dizer africana, mas talvez falar da de Moçambique. Porque aqui as vezes a verdade choca as figuras do poder. Para eles o mais importante seria obedecer as palavras dos mais velhos, dos mais poderosos, dos chefes. Dizer a verdade quebra um pouco com isso. Ainda mais nos dias de hoje, uma vez que as pessoas que estão no poder ocultam muito a verdade como uma forma de fazer a manutenção deste poder.

 

 

Nas suas letras você também fala muito de criar um “partido da verdade”. Você criaria um partido de oposição? É filiado há algum partido?
No momento não. Mas eu já tive uma vida bem mais ativa. Uma vida política partidária bem mais ativa. Houve uma ocasião que eu apoiei um candidato do partido independente (de oposição), que concorreu na Cidade da Beira para presidente da Província. Ele tinha sido afastado do seu próprio partido porque o partido queria que outra pessoa concorresse. Ele estava sendo impedido pelo próprio partido. Então ele concorreu como independente. Ele ganhou e continua fazendo um bom trabalho. Depois ele criou um partido chamado MDM (Movimento Democrático de Moçambique). Trata-se de um partido voltado para os jovens. Uma vez que em Moçambique boa parte das figuras que estão no poder fazem parte da história de libertação do país, que aconteceu nos anos 60 e 70. Hoje essas pessoas estão com 50 ou 60 anos. Mas o problema não é exatamente a idade, somando a forma de governação do partido, um partido de velhas glórias, podemos assim dizer, faz com que os jovens procurem outras alternativas de votos. Meio por emoção eu apoiei esse candidato, mas também apoiei o partido. Mas só como simpatizante. Eles queriam que eu me candidatasse a deputado, mas isso nunca chegou acontecer. Foi nesse período que eu me envolvi com a política partidária, mas não faço parte de nenhum. A população de Moçambique é refém de dois partidos (FRELIMO e RENAMO) e esse terceiro partido (MDM) veio para desequilibrar a balança. Apoiei, porque, quanto mais partido tivermos será melhor para exercermos a democracia.

 

 

O que você acha do intercâmbio cultural entre Brasil e Moçambique?
Eu acho muito bom. Eu olho para Brasil como um país que sabe aproveitar e vender a sua cultura. Consegue ser conhecido mundialmente pelos seus hábitos culturais, pela sua cultura. Moçambique deveria aprender, tem tanta coisa boa aqui que não é valorizada. Acredito que nós moçambicanos, e talvez a África de uma forma geral, porque a África é muito intensa em termos culturais, tem muito a aprender com as técnicas e a experiência que o Brasil tem de pegar sua cultura e retransmiti-la para mundo. A África não é só fome e pobreza. Ao seguir o exemplo do Brasil, a África tem grandes potencialidades para ter uma indústria cultural bem forte, que até pode ajudar bastante na educação. Muitas vezes somos obrigados a seguir caminhos já traçados. Pegar o que já existe, as coisas que as pessoas sabem fazer e arranjar uma forma boa e bonita de mostrar ao mundo. É assim que vejo o Brasil. O Brasil veio da África, e esse intercâmbio em muito já esta atrasado. Esta muito mais do que na hora dos brasileiros saberem sua origem, e também levar africanos para lá, para mostrar como eles desenvolveram aquilo que esta no seu DNA.

 

 

E pra finalizar…
Tem tanta coisa para falar em uma entrevista. Mas talvez voltar a frisar o intercâmbio cultural acima de tudo, porque o empresarial já esta acontecendo, com muitos empresários e empresas brasileiras se instalando por aqui. O que falta é o povo daqui conhecer o povo de lá e o povo de lá conhecer o povo daqui. Eu queria que isso pudesse acontecer mais. Vocês vindo aqui e nós indo para lá, é o mais bonito que pode acontecer, porque só dessa forma vamos quebrar os preconceitos. O Brasil que a gente conhece é o Brasil das novelas e a África que vocês conhecem deve ser a África dos telejornais. A África é muito mais e o Brasil também é muito mais do que as emissoras transmitem. E essa aproximação de pessoas como nós músicos, artistas é a única que pode trazer a verdadeira imagem, fazer as pessoas conhecerem a verdadeira imagem desses lugares.

 

 

 

 

 

 

Elizandra Souza

ELIZANDRA SOUZA é poeta, jornalista, editora da Agenda Cultural da Periferia e apresentadora do programa Agenda Cultural da Periferia, na Rádio Heliópolis.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.