abril de 2014

GUARDA NEGRA: ORIGEM E FORMAÇÃO (RIO DE JANEIRO, DE 1888 À 1890)

Iracema Santos Medrado

colaboração Nabor Jr.

 

 

 

 

Com o fim da Guerra da Paraguai (1864 – 1870), quando um número¹ ainda desconhecido de combatentes negros escravizados defendeu o exército brasileiro durante o conflito, e por representarem os interesses da monarquia nos campos de batalha conseguiram suas cartas de alforria; e com a promulgação da Lei do Ventre Livre (1871), em um curto período de tempo o número de negros alforriados e libertos aumentou consideravelmente no Brasil. Ao mesmo tempo em que, com o fim do tráfico negreiro, os donos de engenhos de açúcar em decadência no Nordeste passaram a vender os seus cativos para os barões do café do Vale do Paraíba e de Minas Gerias, resultando na maior migração forçada de pessoas em toda a história brasileira. Estima-se que, entre 1864 e 1874, a população escrava nas regiões cafeeiras saltou de 645 mil para 809 mil, o que contribui e muito para que um enorme contingente de negros (escravos, ex-escravos e mestiços livres) passasse a habitar as áreas rurais e os centros urbanos da região sudeste do país.

 

Políticos do império, temerários por essa alta concentração de negros no sudeste brasileiro, viam na movimentação o estopim para rebeliões e fugas na região. Previsões que se confirmaram com o inicio da campanha abolicionista, na década de 1880, promovida, em especial, pela Confederação Abolicionista de André Rebouças (1838 – 1898) e José do Patrocínio (1854 – 1905).

 

Os abolicionistas ajudaram na libertação e na fuga de muitos escravos de São Paulo e Rio de Janeiro, em ação semelhante à de jangadeiros do Nordeste. Os fugitivos formavam quilombos ao invadir terras e fazendas abandonadas próximas aos núcleos urbanos, ameaçando a sociedade escravista que tinha receio desta proximidade entre a elite branca e os negros.

 

O medo de uma grande rebelião escrava foi comentado pela historiadora Célia Marinho de Azevedo (1987), que concluiu em sua obra Onda Negra, medo Branco: o Negro no Imaginário das Elites – Século XIX (1ª edição – 2005), que a pressão política para o fim da escravidão estava relacionada ao receio de uma revolta de negros semelhante aos embates no Haiti.

 

No meio urbano, os negros que permaneciam escravos prestavam serviços nas casas de veraneio dos Barões do Café, como escravos domésticos ou alugados (de ganho) para outros senhores. Muitos deles adquiriram sua liberdade ao pagar pelas alforrias com a prestação de serviços aos comerciantes, principalmente na Corte do Rio de Janeiro.

 

Na Corte e nos arredores da cidade, muitos desses ex-escravos, porém, não encontravam moradia fixa ou acolhida pela população local. Somente as irmandades de negros como os de Nossa Senhora do Rosário, de Santa Efigênia e de São Benedito prestavam assistência aos ex-escravos que se instalavam nas redondezas das igrejas.

 

A população urbana vivia em constante apreensão com estes grupos que adentravam a corte e se integravam as maltas de capoeiras².

 

O historiador Carlos Eugênio Líbano Soares, em sua tese de mestrado A Negregada Instituição: os capoeiras na Corte Imperial 1808 – 1850, defendida em 1993, na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e posteriormente em sua tese de doutorado pela mesma instituição sob o título A Capoeira escrava no Rio de Janeiro 1808 – 1850, estudou as maltas de capoeiras desde a colônia e concluiu que os grupos de mestiços livres e escravos africanos se dividiam entre Guaiamús (composto por mestiços, pardos e brancos pobres) e Nagóas (composta por negros escravos e alforriados), e agiram na cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1850 e 1890.

 

Os Nagóas integravam os africanos que vieram da Costa dos Escravos (região nordeste da África) para a região sudeste através do tráfico interprovincial, enquanto os Guaiamús viviam na região portuária fluminense.

 

Estes grupos se confrontavam entre si nas ruas da cidade do Rio de Janeiro durante o período de crise na sociedade escravista, ou seja, entre os anos de 1850, com o fim do tráfico negreiro estabelecido pela Lei Eusébio de Queirós (1850) até o advento da República, em 1889. Essa crise surgiu diante do dilema de libertar os escravos ou prorrogar o regime escravista por alguns anos. Os conflitos ideológicos e a disputa entre os partidos sobre a emancipação escrava gerou o aliciamento de maltas de capoeiras. O recrutamento era feito de acordo com os interesses políticos da região a qual pertenciam os negros e mestiços na cidade do Rio de Janeiro.

 

Um dos conflitos foi o crescimento do interesse político de grupos antagônicos pelo controle das principais regiões da cidade. Isso instigou a brutalidade e as brigas entre as maltas e a policia carioca.

 

A violência das maltas foi apoiada por grupos e membros dos partidos Conservador e Liberal, que se utilizavam das mesmas como milícias armadas para assassinar inimigos pessoais e desafetos políticos.

 

Os Nagóas eram protegidos por membros do Partido Conservador, que recrutavam estes bandos para invadir residências, lojas comerciais ou jornais abolicionistas Já os Guaiamús eram apoiados pelos liberais e depois escolhidos como guardas costas de políticos contra as ameaças de membros do Partido Conservador.

 

Para ilustrar este domínio, na década de 1870, Soares³ conta que o controle das ruas do Rio de Janeiro era dividido entre as milícias de capoeiras que repartiam entre si o domínio das zonas urbanas e rurais, conforme o domicilio e o local de trabalho de negros, escravos de ganho e libertos. Essas milícias recebiam libertos que haviam atuado na Guerra do Paraguai e retornado em 1870 com patentes do exército, mas sem prestigio social.

 

Relatos de documentos da época apontam que os grupos que lutavam capoeira na área de Mata Atlântica e morros da zona portuária pertenciam ao grupo Nagóa, enquanto os Guaiamús se concentravam nas áreas residenciais e no centro da Corte Imperial.

 

As maltas do grupo Nagóa habitavam em áreas de chácaras e grandes sítios que ocupavam a parte rural da cidade do império, pois eram em sua maioria escravos ou prestavam serviços como negros de ganho no centro. Seu domínio se estendia da região do Glória até os limites do Campo do Santana, e seus membros eram divididos pelos bairros e freguesias conforme o local em que residiam. Por exemplo, a malta Cadeira da Senhora controlava a região do Santana e a Flor da Gente exercia seu domínio sobre a freguesia do Glória.

 

Os Guaiamús tinham seu território restrito ao centro comercial, periferia e portos perto da orla marítima, como o Morro da Providência e do São Bento, cujo limite natural ia do Largo do Rocio (atual Praça Tiradentes) até uma parte do Campo do Santana. As maltas Três Cachos, da freguesia de Santa Rita e Franciscanos, da freguesia de São Francisco de Paula, eram as mais conhecidas dessa região.

 

Com o apoio de partidos políticos, o poder e repercussão das atividades destas maltas cresceram em importância perante a imprensa carioca que passou a escrever em seus periódicos os distúrbios provocados pelos capoeiristas, a violência e a rivalidade entre os grupos. Segundo a imprensa, os Guaiamús e os Nagóas pretendiam dominar todo o meio urbano carioca com a conivência da elite política. Para coibir suas ações, a delegacia da Freguesia do Glória incorporava capoeiras como integrantes da força policial para controle da região.

 

Por isso, os crimes das maltas eram destaque nos jornais que atribuíam aos negros ou brancos, de descendência portuguesa, a pratica da violência associada à capoeira e a responsabilidade das mesmas pelo aumento da criminalidade urbana.

 

Os registros criminais do período apontam a prisão de inúmeros negros, pardos e brancos pela prática da capoeira em festas e comemorações religiosas. No entanto, a grande maioria dos negros apreendidos eram libertados alguns dias depois graças a ação judicial impetrada por algum senhor de posses que devia favores as milícias da região ou donos dos escravos que integravam as maltas. Ou seja, as ações criminosas das maltas de capoeiras não eram passiveis de punição por causa do interesse de grupos econômicos ou políticos que lucravam com a violência dessas maltas nas ruas do Rio de Janeiro.

 

 

A ABOLIÇÃO E A ASCENSÃO DA GUARDA NEGRA

 

 

 

Com a abolição da escravatura, em 1888, as maltas mudaram suas relações com os partidos políticos, especialmente pela introdução de membros do Partido Liberal ao inexpressivo Partido Republicano. Assim, os grupos de capoeiras se dividiram em milícias, de acordo com os interesses políticos recebidos de ambos os partidos: Conservador e Liberal.

 

Abolicionistas como José do Patrocínio tentaram apaziguar as tensões entre os grupos sociais ao publicar artigos exaltando as qualidades dos ex-cativos. Para a Confederação Abolicionista e José do Patrocínio era necessário mudar a mentalidade da população carioca que associava os ex-escravos às maltas de capoeiras e a violência urbana. Para Patrocínio, a integração do negro passava pela proteção das instituições políticas ao apoiar o Império no terceiro reinado e ao educar os ex-escravos para o trabalho assalariado tanto nas fazendas quanto no meio urbano. Pela ideologia de correção dos vícios, educação e inclusão na política, os negros seriam integrados a sociedade escravista. José do Patrocínio foi responsável pela divulgação dessa ideia na redação de seu jornal Cidade do Rio, no ano de 1887, até o advento da República, em 1889.

 

O fortalecimento do Partido Republicano levou o gabinete de João Alfredo de Oliveira (Partido Conservador) a dar apoio direto as maltas de capoeiras da região da Lapa e Santana, que formariam a temida Guarda Negra. Ela foi reunida por José do Patrocínio, em 25 de setembro de 1888, na redação do jornal Cidade do Rio, como um grupo de proteção a Monarquia diante dos exaltados discursos de republicanos nos comícios ao redor da cidade.

 

As milícias ou maltas de capoeiras do grupo Nagóa da região do Santana e do largo da Lapa (locais controlados politicamente pelo Partido Conservador) foram nomeadas Guarda Negra pela imprensa carioca, ao relatar a onda de violência nos comícios republicanos promovidos por Silva Jardim.

 

Como a formação da Guarda Negra foi posterior as rivalidades entre Guaiamús e Nagóas diante do fim escravidão, parte do grupo Guaiamús e a maioria dos membros dos Nagóas se reuniu em torno do Partido Conservador por sua gratidão a Princesa Isabel e ao gabinete de João Alfredo.

 

Dessa união surgiu a Guarda Negra da Redentora. E o início de uma campanha para dar aos ex-escravos educação e alfabetização para se adaptarem a liberdade e se integrarem a sociedade. A integração seria pelo trabalho no comércio urbano ou nas áreas rurais como assalariados, seguindo as orientações da Confederação Abolicionista.

 

Só que Patrocínio não pensava que essa inclusão deveria incorporar as impressões dos negros em seu meio social. Uma vez que eles tiveram contato com esta sociedade no cotidiano quando ainda eram escravos. Vale lembrar que os negros que integravam as maltas já viviam no meio urbano seja como livres ou escravos. Também tiveram contato com o meio político através dos interesses mútuos entre as maltas e os partidos. Para eles, a abolição significava criar um partido político para eliminar à discriminação dos brancos e promover o acesso a terra para os negros. Mesmo com a perspectiva de transformações advindas com a promulgação da Lei Áurea, a condição social e econômica do negro não mudou com a abolição. Seu status como cidadão só foi permitido através do controle político e ideológico dos partidos no periodo de transição entre Monarquia e República.

 

 

AS VERSÕES DE HISTORIADORES SOBRE A ORIGEM DA GUARDA NEGRA

 

Houve várias versões sobre a formação de milícias negras no Rio de Janeiro e em outras províncias como Maranhão, Amazonas e Bahia. Algumas fontes também apontam para o envolvimento de conservadores como Ferreira Viana, João Alfredo e de abolicionistas como Patrocínio e Emile Rouéde com grupos de capoeiras.

 

Na formação da Guarda Negra, pós abolição, há relatos de dois grupos criados ou reunidos por abolicionistas e membros do Partido Conservador. O primeiro foi reunido por Emile Rouéde, em julho de 1888, na casa de amigos em que convidou os negros libertos do 13 de maio para criar uma associação que representasse a submissão dos mesmos a sociedade branca.

 

O segundo foi à milícia de brancos e negros alforriados reunidos pelo gabinete de João Alfredo, que repetia a forma empregada pelo Partido Conservador, contra os inimigos políticos do regime monárquico. O grupo deveria agir de forma clandestina para que espalhasse o medo entre os adversários, permitindo ao Partido Conservador incorporar a camada popular mais pobre a sua tutela.

 

A primeira versão dada sobre a origem do grupo foi narrada pelo escritor Oswaldo Orico⁴ , biógrafo de José Patrocínio. A Guarda Negra, para Orico, foi constituída a partir de um grupo de negros apoiados por monarquistas que se reuniram para formar uma irmandade negra, a Sociedade Recreativa Habitante da Lua, na região de Santana – reduto dos Nagóas. Essa irmandade era formada por negros alforriados e, posteriormente, passou a aceitar negros libertos pela Lei Áurea. Os dados mais precisos sobre essa irmandade sugerem que o grupo dos Nagóas foram os elementos que formaram a Guarda Negra, por terem no passado apoiado o Partido Conservador.

 

Essa irmandade jurava defender a Monarquia e obedecia a compromissos solenes e rituais de devoção a Isabel, com sessões secretas e juramentos sagrados baseados na Bíblia. A violação do segredo dessa irmandade levava à expulsão ou à morte dos culpados.

 

O grupo esperava o advento do terceiro reinado e deveria reagir a qualquer ameaça pessoal à Princesa Isabel. O Isabelismo motivou o grupo a agregar novos adeptos quando a irmandade mudou de nome para Sociedade Beneficente Isabel A Redentora, cujos dados sobre a origem do grupo e seus membros ainda são ocultos.

 

Segundo Magalhães Junior (1976)⁵ – a formação da primeira versão da Guarda Negra foi iniciativa não de José do Patrocínio, mas do abolicionista e monarquista Manuel Maria Beaurepaire Pinto Peixoto. Magalhães Júnior explica que os republicanos ficaram indignados pelo aliciamento de homens de cor (negros) para engrossar as hostes monarquistas e insinuavam que a Guarda Negra estava ligada ao ministro da Justiça, Ferreira Viana, com total apoio de João Alfredo.

 

Para Maria Lúcia Rangel Ricci (1990)⁶ – os idealizadores da Guarda Negra foram os abolicionistas mais exaltados, como José do Patrocínio, que queriam combater a influência do Partido Republicano perante a população do Rio de Janeiro. Patrocínio queria que a ideologia de proteção à Redentora Isabel, construída por esse grupo, se estendesse para as demais províncias do Império.

 

A Guarda Negra, segundo Robert Daibert Júnior (2004)7 foi uma milícia política com ares religiosos. Seus membros comportavam-se como arruaceiros e tinham como principal foco de ação desestabilizar as conferências republicanas.

 

Augusto Mattos (2009)8 – aponta que a Guarda Negra teve sua formação iniciada na casa do abolicionista e monarquista Emilio Rouedé, em 10 de julho de 1888, com o total apoio de José de Patrocínio, que se intitulou o criador e mentor do grupo.

 

Segundo Mattos, nos estatutos sobre o grupo, publicados em Cidade do Rio, os negros escolhiam os membros de uma diretoria que autorizava admissão de novos integrantes. Mattos ainda descreve os integrantes da Guarda Negra como negros alfabetizados que tinham a missão de agregar outros ex-escravos para o grupo, sobre a proteção dos abolicionistas.

 

Seus associados consideravam a data de 13 de maio como um marco da libertação dos cativos no Brasil e juravam defender a pessoa que promoveu a extinção da escravidão, a Princesa Isabel. Os estatutos da Guarda Negra ordenavam que os negros só trabalhassem em fazendas cujos proprietários não fossem hostis a Isabel e apoiassem o terceiro reinado.

 

Patrocínio solicitou o apoio da Confederação Abolicionista à Guarda Negra, para que suas idéias fossem divulgadas nas demais províncias do Brasil para o que contava também com o apoio da imprensa. Os republicanos por sua vez não aceitaram a formação de milícia armadas apoiadas por abolicionistas e o Isabelismo de Patrocínio, e em seus jornais como Província de São Paulo, Gazeta da Tarde e O Paiz criticavam a postura da Confederação Abolicionista de aceitar semelhante ideia e apoiar o fanatismo de Patrocínio.

 

 

 

A REPRESSÃO AS MALTAS DA GUARDA NEGRA E O INÍCIO DA REPÚBLICA

 

Os boatos sobre a saúde do imperador D.Pedro II e a inabilidade política de Isabel levaram à adesão dos militares e fazendeiros na conspiração para mudanças no regime monarquista.

 

A cisão dentro do próprio Partido Republicano levou à formação de dois grupos. Um deles pregava que a República teria êxito com a participação dos militares e o outro, principalmente o do Rio de Janeiro, queria o apoio popular.

 

O restabelecimento da saúde de D.Pedro II não aplacou as criticas à Monarquia pela crise com os republicanos. Mesmo com o Partido Liberal no poder, o afastamento de Isabel do cenário político fortaleceu a oposição, que queria reformas urgentes no estado imperial.

 

A pressão republicana sobre o gabinete abolicionista de João Alfredo levou à formação de um novo gabinete com o Visconde de Ouro Preto, do Partido Liberal, e com a proposta de reformas no Estado Imperial. Em Setembro de 1889, D. Pedro II dissolveu o gabinete de João Alfredo em meio à crise entre os cafeicultores e o monarca, pela ausência de indenização prometida aos fazendeiros pelos escravos libertados através da Lei Áurea.

 

A ascensão do gabinete do Visconde de Ouro Preto, em setembro de 1889, do Partido Liberal e inimigo político de Patrocínio, o leva novamente a se aproximar dos antigos correligionários republicanos. Para se justificar, declarava-se a favor do republicanismo num período em que se encontrava isolado politicamente e alvo de críticas por todos os jornais cariocas pelas ações da Guarda Negra.

 

Com o fim da aliança entre Patrocínio e o Partido Conservador, o jornal Cidade do Rio se torna alvo constante de ataques dos republicanos, e entra numa crise interna. O apoio ao gabinete de João Alfredo foi justificado por Patrocínio como gratidão pela Abolição. Com a queda do mesmo e diante das reformas propostas por D. Pedro II, ao retornar da Europa, em agosto de 1889, não havia razão para continuar seu apoio à Monarquia.

 

Com a queda do gabinete abolicionista, Patrocínio tentou uma reaproximação com os republicanos, afastando-se dos monarquistas. Ele percebeu que sua permanência na política e a continuidade como jornalista na imprensa dependia do apoio dos republicanos, liberais e do novo regime de governo, já que o estado absoluto regido por reis, rainhas, príncipes e princesas estava falido e condenado à extinção. ( ALVES, 2009, p. 242)

 

Essa atitude levou à reestruturação do jornal Cidade do Rio, que perdeu velhos colaboradores. A crise no jornal leva à saída do redator chefe, Bandeira Júnior, em 12 de junho de 1889.

 

Neste período, as maltas de capoeiras iam sendo dissolvidas pouco a pouco, por causa da repressão e do aumento das prisões, após os distúrbios de 14 de julho. Osvaldo Orico diz que “o golpe militar de 15 de novembro operou o milagre desejado: sacudiu o alicerce e fez desabar a cariótide negra que devia servir de coluna mestra ao advento do terceiro reinado”.

 

Também o afastamento do Partido Conservador que apoiavam as maltas enfraqueceu o poder que os grupos tinham nas ruas da cidade. Somente um ataque da Guarda Negra ocorreu após o 14 de julho. Foi o atentado contra o redator do jornal Arquivo Contemporâneo Ilustrado, Castro Soromenho, em agosto de 1889.

 

Desde o último ataque aos comícios republicanos não houve mais nenhuma ocorrência violenta do grupo nas ruas do Rio de Janeiro que fosse relatada pela imprensa. Houve, de fato, uma total desarticulação das maltas com a repressão imposta pela policia e pelo Gabinete Ouro Preto, devido as criticas da imprensa á violência dos capoeiras.

 

Ao assumirem o governo, os republicanos trataram de apagar todos os resquícios do antigo regime no Brasil. A imprensa foi controlada e a censura imposta. Os jornais monarquistas foram fechados e seus donos presos por ordem do governo.

A segurança e a ordem eram necessárias nas ruas da capital do Rio de Janeiro. O exército foi posto nas ruas para evitar badernas e motins de monarquistas descontentes com o banimento da família Imperial.

 

O advento da República foi o inicio do banimento das maltas para as prisões na Ilha de  Fernando de Noronha. O principal responsável por esta repressão foi o chefe de policia João Batista Sampaio Ferraz, advogado e promotor  de justiça em casos que envolviam as capoeiras, além de ser membro do Partido Republicano. Ele foi redator de jornais como A República e O Paiz  até ser nomeado como chefe da policia da corte. Sua tarefa era manter as ruas da cidade seguras e evitar atos violentos por parte da população carioca.

 

A ação policial contra as maltas durou entre 1889 a 1890 com inúmeras deportações como forma de impedir a intervenção do Partido Conservador (extinto) e de políticos que apoiavam os capoeiras. Uma dessas prisões foi a de Fernão Diogo vulgo Diogo da Lapa ou Diogo Francisco de Oliveira que participou da Guarda Negra do largo da Lapa assim como de dez capoeiras no bairro do Santana em meados de dezembro de 1889.

 

Essa ação tinha o intuito de desarticular os grupos e por fim ao domínio das maltas na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1890. Isso foi somente o inicio de ações que visou o banimento das maltas e o fim da criminalidade atribuída a capoeira nas ruas do Rio de Janeiro durante toda a República Velha.

 

 

A escassez de registros e documentos históricos que legitimariam as ações nos inúmeros campos do fazer promovidas entre os meados dos séculos XVI e XIX pelos negros no Brasil, ou seja, durante o regime escravocrata, continua sendo uma importante ferramenta do sistema e das elites para a continuidade do sistema patriarcal que impera nos país ainda nos dias de hoje. Desse modo, este texto não tem a pretensão de esgotar o tema sobre a origem e a formação da Guarda Negra na cidade do Rio de Janeiro – mesmo porque, muitos jornais ou pequenas anotações que elucidem o tema podem vir a surgir. Este artigo espera, sim, contribuir para que o assunto seja a válvula propulsora de mais e mais estudos e pesquisas a fatos que não integram a “história oficial” do Brasil, que cotidianamente deslegitima contribuição dos não brancos na construção do país.

 

A “convocação” compulsória de negros, escravizados ou não, para defender interesses monárquicos nos campos de batalha, a abolição inacabada (ou “para inglês ver”), a violação do corpo negro utilizado como instrumento político das elites, os interesses privados em meios públicos, a conivência do Estado com os criminosos que lhes interessam, o preconceito a prática das diversas vertentes da cultura afro-brasileira com a criação de leis que criminalizavam tais manifestações, entre outros casos do recente período que envolveu a transição entre a Monarquia e a República no Brasil respondem, mais de 100 anos depois, muitos dos questionamentos que nos fazemos nos dias de hoje, e a posição social que

 

 

 

 

 

 

 

 

NOTAS DE RODAPÉ

 

1 – Não existem números certos sobre a porcentagem de escravos alistados no exército imperial durante a Guerra do Paraguai (1864 – 1870). Ricardo Salles que dedicou um livro sobre o assunto cita algumas estimativas. Segundo o general Queiroz Duarte, que trabalhou os números dentro de uma ótica que visava a valorizar os alistamentos voluntários (de ex-escravos e libertos) seriam apenas 8.489 pessoas em meio ao contingente mobilizado para a guerra, que perfazia um total de 123.150 soldados. Ou seja, 6,9% de escravos do total de soldados do exército. O historiador norte-americano Robert Conrad, por sua vez, estima em 20 mil o total de escravos, incluindo-se as mulheres dos soldados, que conseguiram a liberdade com a guerra.

 

2 – As Maltas, compostas principalmente por negros e mulatos, foram grupos de capoeiras que agiam no Rio de Janeiro e que tiveram seu auge na segunda metade do século XIX.

 

3-

A negregada instituição: os capoeiras na corte imperial, 1850-1890.

Carlos Eugênio L. Soares

Editora Access

Rio de Janeiro, 1994

 

4 –

O Tigre da Abolição

Osvaldo Orico

Editora Civilização Brasileira, 3. ed.

Rio de Janeiro, 1977.

 

5 – A vida turbulenta de José do Patrocínio

Raimundo Magalhães Junior

Editora Sábia

Rio de Janeiro, 1969

 

6 – A Guarda Negra, um perfil de uma sociedade em crise.

Maria Lúcia de Souza Rangel Ricci

Editora AWKR

Campinas, 1990.

 

7 – Isabel a “Redentora” dos escravos. Uma história da princesa entre os olhares negros e brancos (1846-1988).

Robert Daibert Junior

EDUSC

Bauru, 2004.

 

8 – A Guarda Negra. A redemptora e o ocaso do império.

Augusto Oliveira Mattos

Hinterlândia

São Paulo, 1990

Iracema Santos Medrado

IRACEMA SANTOS MEDRADO é Bacharel em História pela PUC-MG

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.