fevereiro de 2016

PESSOAS LENDÁRIAS

Nabor Jr.

 

 

 

 

 

 

Dos mais nobres dentre os gêneros fotográficos, o retrato – poesia visual da complexidade humana, capaz de eternizar fugazes sentimentos de alegria, tristeza, amor e ódio, forjando na retina as verdades e mentiras de alguém, acima de tudo revela.

 

Paulistano da zona leste, Wagner Celestino (1952), com seu ensaio Velha Guarda das Escolas de Samba da Cidade de Sao Paulo – projeto ainda em curso iniciado em 2003 – lançou luz, deu nome, idade, profissão e dignidade a remanescentes (e fundamentais) nomes do samba paulista. O jovem fotografo Hudson Rodrigues (1982), em processo semelhante, com freqüência confere a seus registros espaço privilegiado a diversidade das diferentes matizes que constituem a urbe paulistana, jogando com a complexidade das suas contradições e múltiplas desigualdades.

 

O malês Seydou Keita (1921 – 2001), célebre por seus retratos em preto e branco, revelou (e criou) um ideal de elegância da sociedade de Bamako ao retratar a exuberante jovialidade da sua nativa Bamako durante o período de transição do pais de uma colônia francesa cosmopolita para uma capital independente. Trajetória semelhante fez o inventivo retratista Malick Sidibé (1936), contudo, explorando mais as intempéries do ambiente externo e as imprevisibilidades dos eventos públicos do que o seu conterrâneo Keyta (conhecido por seus trabalhos em estúdio).

 

Celestino, Rodrigues, Sidibé e Keyta, hábeis condutores da luz, do enquadramento, dos contrastes e das relações de empatia e cumplicidade que uma fotografia de retrato exige, são poesia e alerta. Artistas de técnica, mas também de tato.

 

Nascido em Yeadon, na Pennsylvania, e radicado em Nova Iorque, o fotografo Chuck Martin, interessado neste mesmo registro conflituoso que opõem processos de pertencimento e desterritorialização do amalgama negro no mundo, busca nos retratos de pessoas (re)conhecidas (ou ditas populares) – em sua maioria negras, a máxima naturalidade de um casual primeiro encontro, a indiferença sadia entre retratado e máquina fotográfica, e assim conduzir as historias reveladas nos 23 retratos de Storied People, em cartaz a partir do próximo dia 12 de fevereiro, na June Kelly Gallery, em Nova Iorque.

 

Chuck Martin, que já teve suas fotografias exibidas no MoMA, no Museu do Brooklyn, no Museu Nacional de Arte Moderna e Contemporânea da Argélia e na Imã Foto Galeria, em São Paulo, apresenta registros de importantes nomes da vida artística, cultural e política dos Estados Unidos dos séculos 20 e 21, como Toni Morrison, Paule Marshall, Geoffrey Holder & Carmen Delavellade, David Hinds, Angela Davis, Adger Cowans, Ornette Coleman e James Baldwin.

 

O escritor Wole Soyinka.

 

 

Entre as imagens da mostra estão também retratos de personalidade latinas como Otavio Paz, e africanas como o nigeriano Nobel de Literatura Wole Soyinka. Os registros englobam fotografias dos anos 1980 até o final da primeira década do ano 2000. Muitos retratos foram feitos ainda nos anos 80 e 90, com equipamento analógico – durante viagens a passeio e em deslocamentos profissionais, como são os casos do intelectual brasileiro multifacetado Abdias do Nascimento (1982) e da atriz norte-americana Angela Bassett (1983).

 

Cecil Taylor

 

 

Storied People fica em cartaz entre 12 fevereiro e 12 março, em Nova Iorque. Porém, se por um lado estamos fisicamente distantes da maioria dos retratos desta exposição (apesar da reprodução das imagens cedidas e selecionadas pelo próprio autor e aqui publicadas), por outro, temos uma breve entrevista com o fotógrafo onde ele nos revela as curiosidades dos instantes que antecederam os cliques de Storied People, uma mostra que reverencia a arte do retrato e a sensibilidade do fotógrafo negro perante temas que lhe tocam a raiz. Poesia e alerta. Sempre alerta.

 

 

 ***** SOBRE STORIED PEOPLE *****

 

 

 

ANGELA BASSET (ATRIZ)
Bassett e eu tínhamos amigos em comum durante minha temporada de estudos de pós-graduação, na Universidade de Yale, nos anos de 1980. Ela estava na escola de teatro, e eu na escola de pós-graduação. Lembro-me dessa foto também pela câmera: um equipamento barato, médio formato, uma câmera 6×6 que eu tinha comprado em um brechó. Foi difícil de usar por muitas razões. O avanço do filme não era preciso. Se você não fosse cuidadoso, ele dobraria exposição ou deixaria um grande fosso entre negativos.

 

 

ORNETTE COLEMAN (MUSICO)
Em um dia de trabalho no Brooklyn, cruzei com Coleman quando nos dois estávamos atravessando a rua, cada um em um rumo diferente. Ele disse que não quereria ser fotografado. Mas acabou topando. Tomei a imagem e depois dei-lhe uma cópia. Anos mais tarde, fui convidado para ir a sua casa. Ele foi muito gentil e parecia gostar da tranquilidade e, principalmente, de jogar sinuca. Fiz uma série de fotografias dele nesse dia.

 

ANGELA DAVIS (ATIVISTA)
Davis e eu estávamos sentados juntos em um jantar oferecido na Universidade de Yale antes de uma palestra que ela apresentaria. Foi por acaso que ficamos próximos naquela noite. Não a conheço. Ao longo da nossa conversa ela ficou encantada ao descobrir que eu tinha uma velha câmera Leica. A máquina lhe-trouxe boas memórias. Ela disse que tinha tido uma anos antes.

 

 

TONI MORRISON (ESCRITOR)
Clyde Taylor, amigo e professor, estava se aposentando. Tornamo-nos amigos quando nos encontramos em uma viagem ao Brasil com o National Endowment for the Humanities (Fundo Nacional para Humanidades). Toni Morrison e ele são bons amigos de seus dias de ensino em Washington. Ela participou da comemoração da aposentadoria do Clyde, da Universidade de Nova York, e eu a fotografei lá antes que as coisas começassem.

 

 

ABDIAS DO NASCIMENTO (PINTOR, ATOR, POLÍTICO E ATIVISTA)
A sorte fez não só que eu fosse ao Brasil logo após começar a aprender o português, mas também que fosse como um delegado para o III Congresso de Cultura Negra das Américas. Organizado pelo pintor, escritor, ator, político e ativista Abdias Nascimento e realizado na Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, em agosto de 1982. Depois de escrever-lhe inicialmente, trocamos cartas e, quando cheguei ao Brasil, fui visitá-lo no Rio. Cheguei em seu apartamento cedo, e ambos – ele e sua esposa – estavam de pijama quando me abriram a porta. Ficaram surpresos que eu estava lá cedo, cerca de 10h de manhã. Eles se apressaram, logo se vestiram e fizeram um café. Tomamos o café juntos e conversamos um pouco. Quando eu estava prestes a sair, Abdias perguntou por que eu tinha chegado tão cedo. Eu lhe disse que ao telefone, no dia anterior, ele havia me dito para vir “de manhã.” Ele me disse que não, que tinha dito “amanhã.” Eu tinha entendido por “de manhã.” Ele riu e disse que deveríamos nos encontrar novamente no dia seguinte, mas não de manhã! Talvez para se vingar de mim, em um evento público ele inesperadamente me chamou para falar!

 

 

OCTAVIO PAZ (ESCRITOR)
Paz foi visitar a Universidade de Yale e passou pelo Departamento de Espanhol e Português antes de dar uma palestra. Os alunos do departamento, principalmente da América Latina, compreensivamente, trataram-no com grande entusiasmo, e ele conversou amigavelmente, especialmente com o professor Emir Rodríguez Monegal. Eu estava no meu primeiro ou segundo ano no departamento e pedi a Paz alguns segundos para fotografá-lo.

 

 

 

STORIED PEOPLE
June Kelly Gallery
166 Mercer St
Nova York, NY 10012

 

 

 

 

 

 

Nabor Jr.

Nabor Jr. é fundador-diretor da Revista O Menelick 2° Ato. Jornalista com especialização em Jornalismo Cultural e História da Arte, também atua como fotógrafo com o pseudônimo MANDELACREW.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.