julho de 2010

À LUZ DE LUIZ

Nabor Jr.

 

 

 

ilustração FEPPA

 

 

 

 

Chega a ser intrigante o fato da biografia do líder abolicionista Luiz Gonzaga Pinto da Gama, continuar marginalizada na galeria das personalidades históricas do país, com reconhecimento quase que restrito ao movimento negro, ao mundo jurídico e a maçonaria. Intriga, mas não assusta. Uma vez que nomes fundamentais para a construção de uma identidade cultural genuinamente brasileira, negros assim como Gama, tais como o intelectual Abdias do Nascimento e o ator, cantor e compositor Grande Otelo, possuem “reconhecimento” histórico semelhante.

 

Por sorte, existem os intelectuais, os estudantes, alguns livros, sites e, principalmente, as datas comemorativas (tão em voga na terra brasilis). E é justamente em razão de uma delas, no caso os 180 anos de nascimento do advogado, jornalista e escritor Luiz Gama – nascido em 1880 – que voltamos a ter a oportunidade de rever, e conhecer, a vida, a obra e o legado do mais radical abolicionista que o Brasil já teve.

 

Na cidade de São Paulo, (município onde viveu desde os 10 anos de idade, e também onde morreu, em 1882), desde a segunda quinzena de junho, a Casa do Sítio da Ressaca, no Jabaquara, apresenta a exposição “Luiz Gama: Poeta, republicano e abolicionista”, com curadoria da professora de História da Unifesp, Maria Luiza de Oliveira.

 

Dividida pelos módulos São Paulo 1850-1880 e Universo social de Luiz Gama, a mostra é simples, mas consideravelmente emocionante ao estreitar, em um espaço que por suas características físicas e históricas remete ao passado escravocrata paulista, o público da rica biografia do homenageado.

 

A atmosfera nostálgica e tranquila do Sítio da Ressaca, pólo localizado em um arborizado bosque no Jabaquara consegue, sem as pirotecnias das grandes casas de cultura, transportar o público para as ruas de barro batido da São Paulo do início do século XIX.

 

A mostra conta com algumas poesias de Gama, reproduções dos jornais que editou, artigos que escreveu, trechos de seus discursos mais influentes, detalhes do período em que viveu como escravo em São Paulo, as atividades como rábula (advogado que não possuindo formação acadêmica obtinha a autorização do órgão competente para exercer a postulação em juízo), sua participação no Partido Republicano, na maçonaria e a reprodução de uma página do jornal com a descrição do seu enterro, ocorrido no dia 25 de agosto de 1882.

 

Autodidata, Gama conquistou respeito por sua força intelectual e pela habilidade, como advogado, em libertar negros cativos muito antes da Lei Áurea. Registros históricos indicam que por meio da lei, o abolicionista, que aos 10 anos foi vendido ilegalmente por seu próprio pai como escravo (afirma-se que devido a uma dívida de jogo) libertou mais de 500 escravos.

 

Além da exposição, dois lançamentos literários contribuem para enriquecer a parca bibliografia a seu respeito.

 

Pela editora Lettera.doc, o advogado Nelson Câmara escreveu o livro “Luiz Gama: O advogado dos Escravos”, com prefácio de Miguel Reale Júnior, a obra agrega a biografia transcrições das defesas de Gama, garimpadas no arquivo do Tribunal de Justiça de SP. O livro também revela como ele usou com astúcia as leis do Império para libertar seus clientes, que, segundo a pesquisa, não eram apenas negros – a estes atendia de graça. Previsto em lei desde 1832, o hábeas corpus foi usado a exaustão por Luiz Gama, de forma pioneira, segundo o autor.

 

Militante do movimento negro, o sociólogo e professor Luiz Caros Santos escreveu o perfil biográfico “Luiz Gama”, em que sintetiza a trajetória única do perfilado ressaltando-lhe o caráter combativo na luta contra a discriminação da raça. Traz as íntegras da carta autobiográfica que Gama escreveu a pedido do amigo Lúcio de Mendonça e do comovente artigo em que Raul Pompéia descreve o enterro do abolicionista.

 

Luiz Gama é o nosso Zumbi dos Palmares do século XIX, e merece, no mínimo, ser lembrado, não apenas nas efemérides.

 

 

 

 

 

 

+
EXPO

Luiz Gama: Poeta, republicano, abolicionista
Rua Nadra Raffoul Mokodis, 3
Jabaquara/ Zona Sul – São Paulo/SP
Próximo a estação Jabaquara do Metrô
Terça a domingo, das 9h às 17h.
Info: 11 5111-7233

 

 

+
PARA LER

Luiz Gama: O advogado dos Escravos
Nelson Câmara
Editora Lettera.doc
2010

 

Luiz Gama (Coleção Retratos do Brasil Negro)
Luiz Carlos Santos
Editora: Selo Negro/ Summus
2010

 

Primeiras Trovas Burlescas e Outros Poemas
Luiz Gama
Organização Lígia Ferreira
Editora: Martins Fontes
2000

 

 

 

 

 

Nabor Jr.

Nabor Jr. é fundador-diretor da Revista O Menelick 2° Ato. Jornalista com especialização em Jornalismo Cultural e História da Arte, também atua como fotógrafo com o pseudônimo MANDELACREW.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.