junho de 2015

ROUPAS DE PERFORMANCE: UM (PEQUENO) RETRATO VISUAL DA MÚSICA NEGRA NORTE-AMERICANA (1950 – 2015)

Jun Alcantara

fotos Gilles Petard (Redferns) / Gregory Harrys / Gered Mankowitz
George Dubose / James Kriegsmann

 

 

 

 

 

 

Com a popularidade atingida
por Jimi Hendrix em 1967, nos EUA,
a música e o visual dos artistas nunca mais foram os mesmos.

 

 

 

 

 

 

 

Espetáculos musicais sempre foram vistos como ocasiões especiais dentro da sociedade moderna ocidental. Os músicos se apresentavam com suas melhores roupas, assim como o seu público. Nos Estados Unidos, terra do show business e exportadora das polêmicas ideias que permeiam o termo cultura de massa, o crescimento da indústria da música e do entretenimento durante as décadas de 1940 e 1950, fez aumentar a necessidade de se levar ao público performances cada vez mais inovadoras, aprimoradas e financeiramente rentáveis. Deste modo, além de seus talentos musicais, os artistas eram encorajados a levar aos programas de televisão e aos palcos uma postura atraente, vendável, com danças e roupas capazes de influenciar milhares de jovens ao redor do mundo e, assim, popularizar e enriquecer o avassalador sistema capitalista norte-americano que já mostrava sua força nas primeiras décadas do século 20.

 

Não é nenhuma novidade o fato de quê há muito tempo são os artistas da música quem ditam as regras quando se fala em visual jovem ao redor do mundo.

 

Sam Cooke, que pode ser considerado o primeiro grande artista pop negro dos EUA. Além de ter sido o maior cantor de R&B e Soul Musicentre o final da década de 1950 até a sua morte, em 1964, ele influenciou decisivamente o modo de se vestir de toda uma geração de músicos negros de sua época, e também foi o primeiro a parar de alisar seus cabelos, assumindo seu crespo natural.

 

Sam Cooke, em registro feito no início da década de 1960.

 

 

Ainda dentro do universo musical dos EUA, a década de 1960 – assim como a de 1950 – foi basicamente caracterizada pelo uso de ternos e roupas formais. Chuck Berry, BB King ou Jackie Wilson, do blues às primeiras manifestações do funk, era esse o padrão visual. As exceções, em sua maioria, estavam no jazz, que já não era mais a música “pop” da época. A ousadia do jazz atravessava as barreiras do som e chegava a outros setores relacionados ao mercado musical, como as capas dos discos, por exemplo. O álbum 6 pieces of Silver, de Horace Silver, de 1956, trazia o músico com um casaco e meias brancas, lendo uma folha de pauta no banco de uma praça. Hoje pode parecer um traje que beira o formal, mas na época eram roupas muito casuais. Algo fácil de perceber quando levamos em consideração outros elementos da imagem, como o ambiente e a postura de Silver. Já dentro da música pop propriamente dita, os padrões estéticos eram mais rigorosos. No início da década de 1960, a gravadora Motown, por exemplo, investia não só em fórmulas musicais que garantissem a popularidade das canções e vendas de álbuns, mas em todos os aspectos possíveis, impondo aos artistas padrões visuais que fossem mais agradáveis ao público. Obviamente, ela não era a única. Quem não seguisse as regras do jogo dificilmente alcançaria as grandes audiências.

 

 

The Temptations, famoso grupo vocal norte-americano e o primeiro dos contratados da histórica gravadora Motown a conquistar um Grammy.

 

 

No ano de 1966 surge o sujeito com o visual que viria a se tornar o estilo padrão do rockstar: Jimi Hendrix. Com a popularidade atingida por Hendrix em 1967, nos EUA, a música e o visual dos artistas nunca mais foram os mesmos. Embora sua música não tenha conquistado o público afro-americano, a importância dela dentro dos gêneros negros foi grande. O rock teve que evoluir para se adaptar à essa estética musical agressiva (ou então seriam engolidos pelo monstro) e a soul music ganhou novos ares. O breve período da soul music conhecido como psychedelic soul – permeado pelo clima lisérgico e rebelde dos anos finais da década de 1960 – pode ser resumido de um modo genérico como a influência de Jimi Hendrix dentro da soul music. O icônico grupo The Temptations, acompanhou tudo isso, se lançaram no psychedelic soul e mudaram a maneira de se apresentar. A partir de 1968, os artistas adotaram visuais mais casuais e ousados para suas performances e outras atividades profissionais. Muitos artistas do jazz não ficaram para trás e, além da renovação trazida pela fusão do gênero com sonoridades mais contemporâneas como o rock e o funk, acompanharam as tendências da época. Mas na entrada da década de 1970 a coisa mudou. Foi nesse período em que surgiram as roupas de performance mais extravagantes. Earth, Wind & Fire, The Isley Brothers, Parliament, Betty Davis e outros artistas entraram de cabeça nisso, com visuais que mais pareciam fantasias. Macacões, babados, couro, brilhos e cores berrantes. O documentário Wattstax e os vídeos do programa Soul Train, mostram claramente o modo como essa estética convencia o público também a montar seus visuais, suas próprias roupas de performance personalizadas, para curtir shows e festas de seus artistas preferidos. Quem viu James Brown com suas calças ajustadas, camisa e paletó dançando I Got You em meados da década de 1960, pouco tempo depois o via abrindo espacates, usando macacão boca-de-sino amarelo e decotado. Curtis Mayfield foi um dos poucos grandes artistas da época que representavam a exceção da regra, mantendo no palco um visual bem comum e sóbrio quando comparado aos outros.

 

Enquanto isso, dois outros países exportadores de música para o mundo pareciam não ligar muito para esse tipo de coisa. Na Jamaica, os The Wailers (posteriormente conhecidos como Bob Marley & The Wailers) e outros artistas abandonavam os ternos inspirados nos grandes artistas do soul norte-americano da década de 1960 e passavam a usar suas não menos estilosas roupas do cotidiano, no peculiar estilo de se vestir dos adeptos do rastafari. Na Inglaterra, apesar do fenômeno glam rock, músicos do soul e do reggae seguiam essa mesma linha. No palco, os músicos eram vistos usando os mesmos tipos de trajes usados no estúdio ou na rua.

 

 

Michael Jackson e sua inesquecível luva de lantejoulas.

 

 

Na entrada da década de 1980, caras como Michael Jackson e Prince dominaram a cena musical e mantiveram a tradição dos figurinos exclusivamente performáticos. Foi o rap, na mesma década, quem rompeu com a mentalidade da roupa de performance. Alguns podem achar que o rompimento aconteceu no próprio nascimento do rap, no final da década de 1970, mas a verdade é que os pioneiros do gênero se vestiam de forma tão extravagante e fantasiada quanto qualquer grupo de R&B ou funk da época. O período inicial da popularidade de nomes como Grandmaster & The Furious Five e Afrika Bambaataa & Soulsonic Force mostram isso muito bem. Ice-T e os membros do Run DMC fizeram parte da primeira geração que realmente deixou de lado as “fantasias” e levaram uma postura mais rueira aos palcos, fosse nas atitudes ou no próprio visual. Mas a ascensão do gangsta rap, na primeira metade da década de 1990, levou essa atitude rueira ao extremo. Esses rappers não usavam apenas roupas comuns. Muitas delas vinham diretamente das culturas de gangues criminosas. E a influência foi muito maior do quê se podia imaginar: basta reparar como se vestiam os artistas de R&B contemporâneo, neo-soul e reggae da época. Todos pareciam rappers, mesmo não sendo músicos do gênero. Camisas xadrez, jaquetas MA-1, jeans, botas Timberland ou Dr. Martens, tênis de basquete e etc. A maloqueiragem trouxe não só as roupas, mas também as brigas de fora para dentro do cenário musical. Uma das mais marcantes da época envolveu os rappers Eazy-E e Dr. Dre, antigos amigos e membros do lendário NWA. No rap Real Muthaphukkin G’s, escrita por Eazy-E para atacar seu rival, são citados os trajes que Dre usava em apresentações do World Class Wreckin’ Cru, grupo musical do qual fazia parte antes de ingressar no NWA. Os paletós brilhantes, calças apertadas e as poses de galã não foram perdoadas por Eazy, que tira um sarro sem dó das tendências extravagantes adotadas por Dr. Dre e seus antigos companheiros de banda. Mas ao contrário do que possa parecer, o rap não decretou a morte definitiva do costume de usar trajes apenas para fins performáticos. Ocasionalmente, estereótipos de personagens ligados ao mundo do crime eram usados em videoclipes e shows por alguns artistas. Tudo envolvendo muita ostentação, fosse de joias, casacos e chapéus de pele, ternos de grandes marcas europeias ou qualquer outro adereço que custasse alguns milhares de dólares. Snoop Dogg muitas vezes adota a persona do típico cafetão extravagante dos bairros negros americanos, o pimp. The Notorious BIG, assim como seu contemporâneo Jay Z, se inspirava nos mafiosos italianos em algumas de suas apresentações ao vivo, videoclipes e ensaios para revistas. Lenny Kravitz era praticamente o último representante de uma tradição quase extinta, o único irmão a buscar inspiração não só nas músicas setentistas mas também na extravagância das roupas e exageros que marcaram as duas décadas anteriores. Mas nem ele resistiu. Nos anos finais da década de 1990, Lenny se despediu de seus dreadlocks e, de quebra, dos saltos plataforma e macacões brilhantes.

 

Diferentemente das décadas passadas, hoje a obrigatoriedade do uso de roupas exclusivamente performáticas só vale para as grandes divas pop, como Rihanna e Beyoncé.

 

 

A$AP Rocky e sua crew

 

 

 

Cantores consagrados do R&B/Soul e rappers, como The Weeknd e A$AP Rocky, apesar do capricho estético costumam se apresentar com roupas que representam seu estilo de vida fora dos palcos, lançando tendências que fazem a cabeça das pessoas pelo mundo inteiro. Até mesmo os artistas adeptos da música e imagem retrô – como Raphael Saadiq, Aloe Blacc e o novato Leon Bridges – traçam um caminho diferente do óbvio e seguem uma linha de pensamento ajustada aos tempos atuais. Apesar de serem fortemente influenciados por artistas da década de 1950 e 1960, eles preferiram deixar lado as roupas usadas por esses ídolos em shows e recolher inspirações no estilo que, não só artistas, mas também pessoas comuns da época adotavam em seu dia-a-dia.

 

 

 

 

 

 

 

 

Jun Alcantara

JUN ALCANTARA é estudante de graduação em música e responsável pelo blog ubora.wordpress.com

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.