novembro de 2014

MARINA NASCIMENTO: ESTÉTICAS NEGRAS NA MODA BRASILEIRA E O ENFRENTAMENTO AO NEOCOLONIALISMO

Redação

 

 

 

fotos MANDELACREW

 

 

 

 

 

 

 

O que pode ser a moda para além dos circuitos legitimados de poder? Quando as inventividades das culturas de matrizes negras serão empunhadas pelos seus protagonistas e deixarão de ser objeto em mãos oportunistas que, por ignorarem a engrenagem histórica e social, percebem-se bem intencionadas? O que significa criar com perspectivas afrocentradas quando o consumo e as referências são ditadas por um mercado que normatiza a estética? Conversamos com três estilistas e consultoras de moda negras e de diferentes gerações para conhecermos suas escolhas, parâmetros e intenções.

 

NOME COMPLETO: Marina dos Santos Nascimento

ANO DE NASCIMENTO: 1976

LOCAL DE NASCIMENTO (CIDADE): São Paulo

FORMAÇÃO EDUCACIONAL FORMAL (CURSO DE GRADUAÇÃO): Negócios da Moda Anhembi Morumbi – Incompleto

QUANTOS ANOS ATUANDO COM MODA: São 21 anos. Apesar de não incluir nesta conta minhas mais antigas lembranças que se relacionam ao vestuário e a moda. Ainda guardo desenhos de croquis que fiz com 9 anos. Minha primeira experiência profissional com moda foi como modelo, foi traumática por não me enquadrar nos padrões exigidos pelo mercado, depois trabalhei por 13 anos no varejo de luxo, atuando com vendas e gerencia no mesmo período que ingressei na faculdade de moda. Há 5 anos, ao investir num espaço próprio, quis finalmente criar um lugar que evidenciasse nossas riquezas sem fazer uso de nenhum clichê, utilizando a moda como aliada não como ditadora, quis usar as ferramentas que ela propicia numa busca permeada por rigor estético, mas absolutamente vinculada à valores atemporais. Em nosso espaço, faço a curadoria para a loja sempre visando uma expressão autêntica da nossa brasilidade, também desenvolvo nossas coleções que intentam inverter as lógicas do mercado, considerando luxo não apenas o que é caro, mas o que é precioso por reverberar legados, por manter a identidade e valorizar as heranças das culturas fundantes do país como a negra e indígena. Gosto muito de um estilista nigeriano Wale Oyejide que quis criar uma imagem orgulhosa e triunfante do homem africano. Também crio roupas tendo esta altivez e nobreza em mente, pensando em mulheres reais, com curvas reais e que também estejam trilhando este caminho de construção da imagem através da valorização de seus legados.

 

 

O MENELICK 2º ATO: Quais são os maiores desafios enquanto mulher negra criadora/empreendedora?

MARINA NASCIMENTO: É justamente se desligar disso tudo e ser somente empreendedora. Ser vista como uma empreendedora. Antes de mulher, antes de negra, ser vista como empreendedora. O que eu quero empreender. Qual o conceito do meu empreendimento. Isso ser mais levado mais em conta do que eu ser mulher e negra.

É quase a mesma coisa que dizer que determinada pessoa é uma mulher negra bonita. Quer dizer, antes de você falar que ele é bonita você diz que ela é mulher, negra. Antes de você ver beleza você vê o sexo, a cor, depois você vê a beleza.

Como mulher você já tem um desafio, como negra você tem outro desafio, como empreendedora você tem outro desafio, maior ainda.

Se você ficar com um desses desafios já é bastante trabalho. A gente não fica apenas com um deles, temos que dar conta desses três. Não estou dizendo que fuja a luta, mas eles existem e, no caso, não é só um.

 

 

OM2ATO: Na indústria global de consumo, com todas as suas exclusividades e acessos restritos para produzir e consumir, qual o lugar das estéticas negras? Entendendo o conceito de estética não só como plástica, mas como forma de estar no mundo.

MN: Acho que este lugar é justamente o não-lugar. Acho que esta estética negra pode permear tudo e pode ser muito porosa. Ela pode estar conversando, propondo dialogo com outras estéticas e ela pode trocar. Ou seja, também é um lugar de troca, de diálogo e que ainda não esta definido agora, ela esta se definindo, é um caminho. Importante salientar que é um lugar ainda de resistência, de afirmação, de identidade

 

 

OM2ATO: Em seu processo criativo você utiliza diretamente algum elemento oriundo da cultura diaspórica ou indígena? (Exemplos: palha da costa, wax, missanga). Você propõe alguma reinvenção, atualização?

MN: Atualmente estou utilizando o wax, que pra mim além de um tecido é um bem material com um valor enorme. Tenho pensado muito em conversas, diálogos mesmo. E tenho usado este tecido – que acho que tem um valor imaterial até superior ao valor material dele, por contar história e ter uma cultura imagética muito grande, eu penso que devemos dar um tratamento a altura. Então eu acho que temos que nos preocupar com a modelagem, se preocupar com preciosismos no acabamento e trazer uma modelagem que seja atemporal, que não fique ligado a nenhuma tendência, porque o tecido não é ligado a nenhuma tendência.

 

Agora o diálogo que tenho pensado é com a renda renascença, especificamente, renda do sertão. Uma renda feita artesanalmente e gosto muito desta conversa. Este também é um material carregado de valor. Penso também no Movimento Armorial, que tratava das culturas e da arte popular do nordeste e tentava dar um caráter erudito a elas. Um movimento que criou uma arte a partir da arte popular, e eu acho que é preciso este olhar, com esta significância com relação ao wax, que tem um potencial que ainda não foi plenamente utilizado.

 

 

OM2ATO: É possível realizar uma anti-moda? Formas de vestir e se expressar que não estejam amarradas por tendências ditadas pelo mercado? Com tamanhos, modelagens, cores libertas assim como um conteúdo que expresse de fato a identidade de quem veste?

MN: Minhas criações são sempre atemporais. Eu acho que temos que fazer uso das tendências, das contemporaneidades, e fazer uso das novas descobertas das modelagens, recursos tecnológicos. Eu gosto muito de propor conversa com seda pura, por exemplo. Mas eu acho que sempre é possível ter uma moda atemporal. Peças que falam de mim hoje e que vão falar de mim daqui a 10 anos. Eu acho muito possível isso. Eu acho inclusive o ideal. Eu tenho um ideal de luxo que é um pouco diferente do que as pessoas em geral têm.

Para mim luxo se refere ao que é único, especial, por conter, ou contar um legado, uma história, conter todo esse legado que a África e o Brasil tem. Berços riquíssimos, que conversam entre si e por isso extremamente luxuoso, único e absolutamente atemporal.

A loja conta com um mix, com peças feitas em tecido africano, mas também, por exemplo, temos uma parceira, uma estilista, que fez uma marca em parceria com uma aldeia indígena do Acre, onde eles mesclam seda pura, missangas desta tribo. Então eu acho que é isso, a possibilidade de ter em um lugar – o que eu acho obvio, mas não é porque não vejo por aí – porque eu acho que é claro que tem que ter a contribuição indígena, africana no mesmo lugar, e junto com a contribuição europeia que ela existe e permeia todo o modo de vestir meu, seu nosso.

Gosto da possiblidade de ter um lugar que foge as características de exotismo, da roupa folclórica, e traz uma roupa mais contemporânea e atemporal para um lugar onde estas conversas sejam possíveis.

 

 

OM2ATO: Você acredita que haja uma estética na moda, estilo e maquiagem que possa ser chamada de negra ou afro-brasileira e que não recai em estereótipos, ou seja, a maneira como esperam que nós negros nos vistamos e que possa ser aplicada/ usada no cotidiano para o trabalho, uma festa simples, etc? Um exemplo de composição/ roupas e acessórios possíveis.

MN: Acredito que exista sim. E acredito também que ela é uma silhueta com um tanto de elegância, uma silhueta fora do que se espera da gente, uma mulher não precisa usar uma roupa curta, um super decote, nem justa. Ela pode falar da identidade dela e trazer essa característica do tecido africano sem também ser folclórica, pode fugir destas características de exotismo com personalidade, perenidade.

 

 

 

OM2ATO: Como homens e mulheres negros podem valorizar seus atributos naturais e culturais sem ser a partir do uso de roupas e acessórios? Idem.

MN: Eu acho que temos uma presença que é muito significativa e muito forte, e quando nos fazemos uso da beleza natural que gente tem, do crespo do nosso cabelo, do formato que ele pode adquirir. Se você ficar em frente ao espelho, ver a textura que o seu cabelo tem, as possibilidades que ele te oferece já é um exercício que te propiciara caminhos inusitados e insuspeitos, com certeza. Isso no caso é uma coisa exterior. Agora anterior, é o trabalho de pesquisa. Uma vez que os pensadores negros, os criadores negros não estão – infelizmente – na mídia dominante e com facilidade de acesso para a maioria das pessoas. Então você tem que pesquisar, suspeitar e ser curioso. Quando você se enriquece culturalmente a partir do seu legado você ganha recursos extremamente mais abrangentes.

 

OM2ATO: Quais as referências criativas de vocês ao montarem um visual, uma vestimenta? Quais estilistas, artistas, paisagens, lugares, livros e pensamentos te influenciam no momento criativo?

MN: Quando eu crio eu penso sempre numa ancestralidade de nobreza anterior a que eu conheci a vida inteira. Então, a partir de algumas pesquisas eu conheci, por exemplo, como era a Rainha de Sabá, a mãe do Menelick. Ela era negra. E como ela era? Como esra essa mulher com tanto poder? Como era a Rainha Nzinga? Como era a Rainha Nefertiti? Esses exercícios de imaginação eu uso na hora que eu vou criar.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.