maio de 2013

LIBERDADE? LIBERDADE! O CENTENÁRIO DA ABOLIÇÃO, 25 ANOS DEPOIS

Valeria Alves

 

 

 

 

 

fotos Daniel Cabrel / João Liberato

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O ano de 1988 foi um marco na luta contra o preconceito racial, contra o racismo institucionalizado e mostrou que a população negra brasileira estava organizada e pronta para mais embate na busca por equidade e melhores condições de vida.

 

Os movimentos negros espalhados por todo o Brasil, juntamente com os negros e aliados não negros organizados em diferentes coletivos artísticos, acadêmicos e sociais, saíram às ruas, soltaram suas vozes para questionar, exigir e principalmente direcionar o governo para o caminho que ele deveria seguir em relação à luta antirracista no Brasil.

 

Entretanto, numa sociedade onde o racismo é estruturado e estruturador das relações sociais, embora, o movimento antirracista de 1988 tenha sido reprimido, insultado e desqualificado, o racismo saiu vitorioso.

 

Sabemos que nem tudo saiu de acordo com que grupos reivindicatórios queriam. Também houveram as inevitáveis e típicas controvérsias e queixas dos movimentos politicamente organizado. Mas os resultados desses esforços foram aparecendo ao longo desses anos, na Educação, Saúde, Cultura, para citar alguns exemplos.

 

Quando falo dessa organização da população negra durante o ano de 1988, não deixo de lembrar que aquela geração de ativistas também foi influenciada por gerações anteriores. As negras e os negros no Brasil jamais deixam de lutar. Jamais!

 

Nos dias 13 de maio de todos os anos, acontecem manifestações questionando esta data como o dia da libertação dos grilhões da escravidão, da opressão. Essa “abolição” é interpelada ano após ano, e isso, a meu ver, sinaliza que apesar das lutas e avanços sociais e econômicos do país, a população negra ainda é discriminada não só pela cor da pele, mas pela estética, religiosidade e cultura.

 

Neste ensaio, sem deixar de interpelar a “abolição” vou apontar os avanços que a população negra garantiu no decorrer desses 25 anos. Existe uma ambiguidade em algumas dessas conquistas de direitos e garantias: no interior de alguns avanços, temos alguns retrocessos.

 

Convido vocês a junto comigo olhar alguns pontos desses avanços. Analisar as vitórias, mas também paralisias, retrocessos e seguir a luta.

 

Minha escrita está ancorada por conversas, discussões, debates que venho participando ao longo desses anos e, influenciada, principalmente por algumas autoras, como Lélia Gonzales e Sueli Carneiro. A elas dedico parte da minha formação no que tange as discussões de gênero, raça e classe. Minha narrativa está substanciada nessa articulação.

 

 


Sidney Amaral
Aonde estão minhas raízes
Aquarela e lápis sobre papel
2014

 

 

 

 

 

Gênero, raça e classe: articulações intermitentes

 

A partir da década de 1980, as mulheres negras brasileiras começam a se organizar politicamente para combater o racismo, o sexismo, a desvalorização e romper com os estereótipos que a colocavam em lugares sociais de desprestígio. O objetivo dessas mulheres era lutar pelo reconhecimento e respeito.

 

Surge, em 1988 o Geledés – Instituto da Mulher Negra com o intuito de inserir na política, pautas específicas da condição dessas mulheres e seu papel histórico, juntamente, com a luta de emancipação da população negra, atribuindo à mulher Negra uma tríplice militância: gênero, raça e classe.

 

O eixo da luta das mulheres negras junto ao Geledés foram as ações políticas anti-racistas, a eliminação dos mecanismos de discriminação racial e de gênero e a criminalização dessas ações, mas também, “enegrecer” o movimento de mulheres no Brasil instituindo em sua agenda a questão racial e feminilizando as pautas do Movimento Negro.

 

Foram produzidos documentos que retratam o avanço das questões raciais no Movimento Feminista. Entre os mais importantes estão: Articulação de Mulheres Brasileiras Rumo a Beijing, 1995; Relatório Geral sobre a Mulher na Sociedade brasileira; Proposta das Mulheres Negras Latino- Americanas e Caribenhas para Beijing – Geledés- Instituto da Mulher Negra e UNIFEM.

 

Ao longo do tempo outras organizações de mulheres negras foram surgindo no cenário nacional (a Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop, a ONG Criola e a Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras são algumas delas) com ações políticas na educação, cultura, saúde, numa participação ativa na implementação de políticas públicas.cInstituições como SEPPIR, Fundação Palmares e mesmo o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/10), foram criadas, não sem disputas e debates, para, o enfrentamento das desigualdades raciais, de gênero e classe.

 

 

 

Da educação, cultura e saúde: avanços e controvérsias


Jaime Lauriano
liberdade! liberdade!
Serigrafia e trecho do hino da república gravado a laser e pirografia sobre compensado naval
2018

 

 

 

 

 

Em 2008, após uma longa luta dos profissionais ativistas ligados à saúde, foi aprovada a Política Nacional de Saúde da População Negra, que visa melhorar o atendimento, diagnóstico e tratamento desse segmento social. Um verdadeiro marco no enfrentamento da desigualdade étnico racial e no combate ao racismo institucional.

 

Uma de suas ações é a coleta do quesito cor, raça/etnia no Sistema único de Saúde. A coleta desse quesito visa melhorar não somente ao atendimento da população negra, como, também fornecer dados para elaboração de políticas públicas no sentido de evitar certas doenças que acometem mais essa população, como a anemia falciforme, por exemplo.

 

Na Educação tivemos, em minha opinião, duas grandes vitórias nesses últimos 25 anos. A Lei nº 10.639/03 (atual 11.645/2008, que inclui os indígenas também) que institui o Ensino de História e Cultura Afro- Brasileira e Africana nas escolas de todo o país e reserva vagas para estudantes negros e indígenas nas universidades.

 

Essas duas ações advindas das lutas da população negra organizada ainda apresentam controvérsias, disputas, protestos quanto às suas implementações e, estão provocando um grande incomodo nos racistas de plantão que, embora se beneficiam dessa estrutura racista, insistem em dizer que no Brasil não há racismo e que somos todos iguais.

 

Na área cultural estão explodindo diversos movimentos artísticos e literários que visam preservar, valorizar e garantir que a cultura negra seja respeitada no cenário nacional. Temos os Saraus das Periferias, escritoras e escritores que por meio da literatura e da poesia estão pautando as questões de gênero, raça e classe como, por exemplo, Miriam Alves, Priscila Preta, Elizandra Souza, Kiosam Oliveira, Akins Kintê, Fábio Mandingo, Allan da Rosa e tantos outr@s. Em São Paulo o Bloco Afro Ilú Obá De Min que desde 2004 estremece o centro da cidade ao trazer para rua elementos do candomblé articulando em cena classe, raça, gênero e religião. Grupos como a Cia. Capulanas, Umojá, o teatro da companhia Os Crespos, a produção plástica de artistas como Renata Felinto e Rosana Paulino, a Feira Preta, a revista O Menelick 2ª Ato, o Museu Afro-Brasil, as diversas congadas, maracatus, sambas, umbigadas, capoeiras e muitos outros grupos e organizações empenhados em dar seguimento às atividades culturais que chamamos de Cultura Negra.

 

Este ensaio não se pretendeu exaustivo, apenas propõe-se a fornecer subsídios para olharmos mais de perto as conquistas da população negra ao longo dos 25 nos após o centenário da abolição e desencadear reflexões e discussões a respeito do alcance das nossas lutas.

 

 

 

 

 

 

 

 

Valeria Alves

VALÉRIA ALVES é antropóloga, pesquisadora e produtora cultural.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.