junho de 2020

“ABUNDÂNCIA” E VULNERABILIDADE: FOMENTO, CRIAÇÃO E CIRCULAÇÃO DAS ARTES NEGRAS ENTRE 2016 E 2019

Alexandre Araujo Bispo

 

 

 

 

 

 

 

 

fotos André Ricardo, Maiara Cerqueira, Sérgio Adriano H., Rômulo Fialdini e MANDELACREW
capa Série Ruptura do Invisível – O Encanecer (2017)Sérgio Adriano H.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Durante mais de três décadas, a chamada arte afro-brasileira – ou seja, parte do acervo de obras de artistas negros dos séculos 18 e 19, de pré-modernistas e modernistas (pós-1888 à década de 1950) até os contemporâneos (da década de 1960 até nossos dias) – esteve ligada à pessoa do artista e curador Emanoel Araujo, responsável por apresentar esses nomes ao grande público, democratizar o acesso e salvaguardar suas memórias e feitos artísticos. Araujo também reedita textos clássicos sobre arte e artistas negros entre os quais: O quadro do Sr. Firmino Monteiro (1882), de Machado de Assis; As bellas-artes nos colonos pretos no Brazil: a esculptura (1904), de Raimundo Nina Rodrigues, ou O negro brasileiro nas artes plásticas, de Clarival do Prado Valadares (1968). Em 2016, Tadeu Chiarelli, então diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo, realizou a mostra Territórios: artistas afrodescendentes no acervo da Pinacoteca, justa homenagem a Araujo, primeiro (e único) diretor negro do museu que no próximo mês de dezembro completa 115 anos. Na ocasião, obras de alguns artistas já conhecidos, como Rosana Paulino, Paulo Nazareth, Jaime Lauriano, Flávio Cerqueira, Rommulo Vieira Conceição e Sidney Amaral (1973-2017), foram adquiridas aumentando no acervo a presença de artistas negros. Contemporânea ao golpe de Estado que retirou Dilma Roussef da presidência, a exposição esteve longe de abarcar a quantidade de artistas desse segmento artístico que, nos últimos cinco anos, cresce em diferentes partes do país e demanda o reconhecimento e a visibilidade necessária à circulação de seus trabalhos.

 

Entre 2016 e 2019 uma série de exposições parece indicar uma “abundância” inédita na cena cultural brasileira. Essa mudança decorre da pressão crítica do meio artístico negro organizado, principalmente no teatro. Apesar de ainda muito desfavorável, a sensibilidade em torno da importância das artes negras cresceu, como mostram alguns exemplos de exposições e ações culturais realizadas principalmente em São Paulo.

 

 

 

Frames do curta Alma no olho (1974), de Zózimo Bulbul, exibido na exposição Agora somos todxs negrxs?, em 2017.

 

 

 

Nesse sentido, há razões para comemorar: em 2019 Rosana Paulino aumentou o grupo de artistas negrxs da Galeria Mendes Wood, em São Paulo, que já representa Paulo Nazareth, Sonia Gomes e Antônio Obá. Este último expôs na Galeria Candido Portinari, na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), em 2016, com curadoria de Roberto Conduru. No ano seguinte Conduru assinou Negros indícios: performance vídeo fotografia, na Caixa Cultural da Praça da Sé, em São Paulo, onde estiveram reunidos os trabalhos de Antônio Obá, Ayrson Heráclito, Caetano Dias, Dalton Paula, João Manoel Feliciano, Moisés Patrício, Musa Michelle Mattiuzzi, Priscila Rezende, Renata Felinto, Rommulo Vieira Conceição, Rubiane Maia e Tiago Sant’Ana.

 

“Entre os anos de 2016 e 2019 foram realizadas uma série de exposições no país que indicam uma “abundância” inédita na cena cultural brasileira. Apesar de ainda muito desfavorável, a sensibilidade em torno da importância das artes negras cresceu”.

Em 2019, o Coletivo Trovoa reuniu mulheres negras e não brancas em âmbito nacional e fez duas exposições: A noite não adormecerá jamais nos olhos, realizada na Baró Galeria, em São Paulo, com curadoria de Carollina Lauriano, e Sob a potência da presença, que aconteceu no Museu da República (RJ). A mostra teve curadoria de Keyna Eleison e trouxe o trabalho de 14 artistas mulheres da Rede NAMI, coordenada por Panmela Castro. No mesmo ano o antropólogo Hélio Menezes assinou Campo minado, individual de No Martins, na Baró Galeria. Menezes, Ayrson Heráclito e Lilian Schwartz, aliás, fizeram Histórias afro-atlânticas, no MASP/Instituto Tomie Ohtake (2018), considerada a melhor exposição daquele ano pelo The New York Times. Fabiana Lopes, que em 2015 curou Tramas, individual de Lídia Lisboa, na Galeria Rabieh, e Igor Simões, são curadores convidados da Bienal do Mercosul de 2020, cuja abertura física foi interrompida por causa da pandemia de Covid-19. A exposição PretAtitude − Insurgências, emergências e afirmações na arte afro-brasileira contemporânea, idealizada por Claudinei Roberto da Silva, estaria hoje em sua sexta remontagem na rede SESC-SP não fosse a pandemia de Covid-19. Claudinei assinou também a curadoria de Entre o azul e o que não me deixo/deixam esquecer, primeira individual da artista Juliana Santos, realizada pelo Paço das Artes e que foi realizada no MIS-SP (2019). Daniel Lima fez a curadoria de Agora somos todxs negrxs? (2017), exposição coletiva realizada na Associação Cultural Videobrasil e que exibiu o genial curta Alma no olho (1974), de Zózimo Bulbul (1937-2013), ao lado de obras dos artistas Ana Lira, Ayrson Heráclito, Dalton Paula, Daniel Lima, Eustáquio Neves, Frente 3 de Fevereiro, Jaime Lauriano, Jota Mombaça, Luiz de Abreu, Moisés Patrício, Musa Michelle Mattiuzzi, Paulo Nazareth, Rosana Paulino e Sidney Amaral.

 

 

 

Detalhe de um dos painéis da exposição PretAtitude − Insurgências, emergências e afirmações na arte afro-brasileira contemporânea, realizada no SESC São Carlos, em 2019.

 

 

 

Entre 2018 e 2019 dez artistas negrxs foram selecionados para as 28ª e 29ª edições do Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo (CCSP): Aline Motta (de quem assinei o texto crítico da individual Em três tempos: memória, viagem e água, pelo Prêmio Marcantonio Villaça, em Brasília, no ano de 2019); No Martins (que participou da 21ª Bienal de Arte Contemporânea VídeoBrasil, 2019-2020); Santídio Pereira (Galeria Estação); Mônica Ventura (que esteve em História das mulheres, no MASP, com a obra O sorriso de Akotirene, antes financiada e exibida pela primeira vez no CCSP); Raylander Martís dos Anjos, Janaína Barros, Wagner Leite Viana, Gsé Silva, Alexandre Ignácio Alves e Carolina Cordeiro. Entre xs convidadxs para participar das duas mostras anuais do programa estão Denilson Baniwa, um dos artistas proeminentes da cena indígena de arte contemporânea, e Renata Felinto. Essa seleção de artistas permite apontar para certa “descolonização” do pensamento institucional. Fizeram parte do grupo de crítica do programa de exposições do CCCSP a curadora do projeto Afrotranscendence, Diane Lima, eu e o crítico Andre Pitol, ao passo que Claudinei Roberto e o cearense Bitú Cassundé compuseram a comissão de seleção dos artistas em 2019. Cassundé assinou ainda À Nordeste, com Marcelo Campos e Clarissa Diniz, em exposição com significativa presença de artistxs negrxs. Ainda em 2018, o artista brasiliense Josafá Neves, representado em São Paulo pela Baró Galeria, fez Diáspora com curadoria de Bené Fonteles. A exposição foi apresentada também na Caixa Cultural, no Rio de Janeiro, em 2019. A Caixa Cultural, praticamente dissolvida desde o impeachment, mereceria atenção mais detida quanto as exposições de artistas negros que por ali passaram. Por hora, merece registro, o trabalho da fotógrafa Marcela Bonfim. Com curadoria assinada por Bonfim, Samara Takashiro e Talita Rebizzi, a fotógrafa apresentou, em 2017, [Re] conhecendo a Amazônia Negra, exposição que, como revela o próprio nome, trata da presença negra na região conhecida pela forte presença indígena.

 

Em 2016, Paulo Nazareth venceu o Prêmio Pipa; Musa Michelle Mattiuzzi, Dalton Paula (Sé Galeria) e Rubiane Maia estavam entre os participantes do prêmio em 2017; o carioca Arjan Martins (A Gentil Carioca) venceu o prêmio em 2018, ano em que também Rommulo Vieira Conceição concorria. Jaime Lauriano (Galeria Leme) e o carioca Maxwell Alexandre (A Gentil Carioca) foram indicados ao prêmio em 2019, ao mesmo tempo que Alexandre lançou Pardo é papel, no MAR do Rio, exposição que seguiu até março de 2020. Esses são apenas alguns dxs artistxs negrxs que circularam por esse prêmio. Em 2014, a baiana Eneida Sanches também foi uma das indicadas. Ela também foi uma das artistas que participaram da mostra Diálogos Ausentes (Itaú Cultural) que aconteceu entre dezembro de 2016 e janeiro de 2017, em São Paulo, com curadoria assinada por Diane Lima e Rosana Paulino.

 

 

 

Detalhe da instalação Sem Título (2010), de Jaime Macalé, apresentada na exposição Auto retrato/Alvo retrato, realizada em Ribeirão Preto, no ano de 2019, com curadoria de Emayê Natália e Roberto Rodrigues.

 

 

 

Entre outubro de 2015 e março de 2016, eu realizei Medo, Fascínio e Repressão na Missão de Pesquisas Folclóricas, 1938-2015, no CCSP. A exposição explorou o acervo de arte sacra afro-brasileira que está sob a guarda da instituição. Essa temática do sagrado afro-brasileiro, aliás, aparece no trabalho de vários artistas contemporâneos entre 2016 e 2019. A série Aceita, de Moisés Patrício é, nesse sentido, exemplar. A obra circulou em coletivas como Histórias afro-atlânticas e individuais como Um Exú em Nova York, na Hersey Haiku House, em Nova York (2019). Um dos temas característicos que deram origem à chamada arte afro-brasileira, o sagrado afro-brasileiro aparece de forma diversa nos trabalhos de vários artistas. Assunto estrutural na poética de Ayrson Heráclito, os ritos, substâncias, mitos e filosofia do candomblé estavam presentes na exposição Pérola Negra, na Galeria Blau Projects (2016), e uma sequência de videoperformances suas foram exibidas em Ounjé: alimento dos orixás, da qual o artista foi um dos curadores juntamente com Bia e Bel Coelho, Adriana Aragão e outros, no Sesc Ipiranga (2019). Em Belém, no Pará, o Coletivo Nós de Aruanda, que surgiu em 2012 e realizou até 2016 quatro exposições, voltou-se inteiramente para a promoção dos artistas de terreiros revelando a multiplicidade de olhares inspirados nas tradições de matriz africana. Na última edição participaram mais de 30 artistas. Embora a capital paulista concentre o maior número de eventos culturais, é importante registrar ações desenvolvidas tanto no interior deste estado, quanto em outros estados. Vejamos:

 

 

 

Sapatos de açúcar
Tiago Sant’Ana
2018

 

 

 

Emayê Natália, artista e curadora, realizou em parceria com Roberto Rodrigues a coletiva Auto retrato/Alvo retrato, em Ribeirão Preto (2019), que reuniu artistas locais de diferentes gerações. Simultaneamente, a artista apresentou a performance/instalação Melaço: como se veste a verdadeira rainha do açúcar na exposição paralela do 44º Salão de Arte de Ribeirão Preto (2019). Na ocasião, segundo relatos da artista, a performance produziu enormes desconfortos na branquitude local usineira descendente de proprietários escravistas. O açúcar é um tema presente na obra da portuguesa Grada Kilomba, que ganhou individual na Pinacoteca (2019), assim como na obra de Tiago Sant’Ana. Além de participar de várias coletivas nesse período, Sant’Ana fez Aquém-mar, no Senac Lapa, de novembro de 2019 a janeiro de 2020, na qual o açúcar, alimento reincidente em sua poética, reaparece para assombrar o presente em vídeos como Açúcar sobre capela (2018) ou imagens da série Sapatos de açúcar (2018). Substâncias ligadas à sociedade e aos ambientes de exploração coloniais aparecem também – como é o caso da erva da guiné e o fumo – nas obras do goiano Dalton Paula.

 

Em Belo Horizonte a perfomer Priscila Rezende participa, desde 2018, da Segunda Preta, encontro que atravessa os campos do teatro e da performance, em cujas edições já se apresentaram Maria Macedo (Ceará), Marcel Diogo (Minas Gerais) e Waleff Dias (Macapá), artistas bastante jovens que começam a ampliar a cena. Em Porto Alegre, Ingrid Noal idealizou e curou Porto Negro, com artistas locais e debates com artistas e especialistas convidados (2016).

 

 

 

Série Ruptura do Invisível – O Encanecer
Sérgio Adriano H.
80 X 120 cm
2017

 

 

 

Idealizado pela artista do Espírito Santo Charlene Bicalho, em 2012, o projeto Raiz Forte é uma plataforma multidisciplinar de investigações e produções artísticas e educativas sobre cultura e identidades afro-brasileiras, com forte apelo ao debate interseccional de gênero. Em 2018, Sérgio Adriano H. (Galeria Choque Cultural), artista de Joinvile (SC), fez Ruptura do invisível, cujo texto crítico é assinado por Fabiana Lopes. Na região Centro-Oeste, em Anápolis, Paulo Henrique Silva montou Vozes do Silêncio (2017), com obras, entre outrxs, de Helô Sanvoy, Janaína Barros, Dalton Paulo e Moisés Patrício. Em Pernambuco, no Museu da Abolição, Joana D’arc Souza Lima assinou a curadoria de Os da Minha Rua: Poéticas de R/existência de Artistas afro-brasileiro (2018). A exposição que teve incentivo do Governo do Estado de Pernambuco apresentou obras dxs artistxs: Ana Lira (PE), Dalton Paula (GO), Edson Barrus (PE), Izidoro Cavalcanti (PE), José Barbosa (PE), Maré de Matos (MG/PE), Moisés Patrício (SP), Priscila Rezende (MG), Renata Felinto (SP/CE) e Rosana Paulino (SP).

 

“Apesar da quantidade de produções culturais, da entrada de pessoas negras em instituições, do aumento de pesquisas que tomaram por objeto esse segmento da arte brasileira e do surgimento de colecionadores, isso só não basta. É preciso ainda muito empenho para sairmos da zona de vulnerabilidade”.

Em 2019, Renato Araujo da Silva realizou em Curitiba, no Museu Oscar Niemayer, África Mãe de Todos, exposição dividida em três fases sequenciais. Em São Paulo, Silva inaugurou A outra África (2020) no Museu de Arte Sacra. O curador também organizou uma vitrine, a partir da coleção de arte africana do MAC-USP, para a 21ª Bienal de Arte Contemporânea SESC-VídeoBrasil. Nessa edição do evento foram exibidas uma videoinstalação inédita de Rosana Paulino, ao passo que o performer mineiro Luiz de Abreu ganhou uma instalação histórica que exibia vídeos de trabalhos seus produzidos entre 1995 e 2009.

 

Fundamental registrar que Rosana Paulino fez ao menos quatro importantes individuais no período 2016-2019. Merecem destaque apenas nos limites do Brasil: A costura da memória (MAR, Rio de Janeiro, 2019); A costura da memória (Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2018); Paraíso tropical (Museu de Artes Visuais de Campinas, 2018); Atlântico Vermelho (Galeria Superfície, 2016). Paulino também recebeu o prêmio da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), em 2018. No mesmo ano, Sonia Gomes (Galeria Mendes Wood) ganhou a individual Ainda assim me levanto, no MASP, assinada pela curadora Amanda Carneiro.

 

 

 

Perspectiva da exposição Entre o azul e o que não me deixo/deixam esquecer, individual de Juliana Santos, realizada pelo Paço das Artes, no MIS-SP (2019).

 

 

 

Em 2020, Ana Beatriz Almeida, que atua como artista e curadora é uma das curadoras da Bienal de Glasgow, momentaneamente interrompida em função da pandemia de Covid-19. Beatriz também é co-fundadora da Plataforma 01.01 que reúne artistas e curadores africanos e brasileiros com a proposta de fomentar o intercâmbio intercultural, coletar e promover o consumo de arte com vistas à criação de um ambiente global socialmente transformador.

 

Apesar de apresentar um quadro “abundante”, mas não exaustivo dessa cena das artes negras, é preciso lembrar os enormes esforços que se colocam cotidianamente para que agentes e ações racialmente marcados pelo tema e pela autoria negrodescendente consigam se financiar. No Brasil pós-impeachment essa situação se agrava, não apenas porque o extinto Ministério da Cultura foi completamente dissolvido em 2019 e passa, atualmente, por uma crise de sentido profunda, mas também porque o violento presidente Jair Bolsonaro impôs um presidente negro racista, o jornalista Sérgio de Camargo, para a Fundação Cultural Palmares. Lembremos que a instituição, antirracista, foi criada em 1988 para promover a valorização da população negra no Brasil por meio da cultura. Entre tantas de suas ações, a Fundação realizou quatro edições do Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-brasileiras. Criado em 2010, o prêmio teve entre as suas vencedoras as artistas paulistanas Rosana Paulino, em seu primeiro ano de vigência; Lídia Lisboa e Renata Felinto, ambas em 2012; além delas artistas de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Tocantins e Pernambuco. Vale lembrar que chegamos a ter no Brasil o edital Funarte Artes Negras que, em edição única, fomentou ações como a exposição O Banzo, o amor e a cozinha da casa (2015), individual do artista Sidney Amaral, com curadoria de Claudinei Roberto da Silva, e realizada no Museu Afro Brasil.

 

 

 

Sem Título
Emayê Natália Marques
Vestimentas e resíduos de performance
2019

 

 

 

Apesar dessa quantidade de produções culturais, bem como a entrada de pessoas negras em instituições como artistas e curadorxs, o aumento de pesquisas que tomaram por objeto esse segmento da arte brasileira, o surgimento de colecionadorxs interessadxs – quantos delxs são negrxs? – isso só não basta. É preciso ainda muito empenho para sair da zona de vulnerabilidade a que estão expostxs artistxs, curadorxs, críticxs, pesquisadorxs e a própria obra artística. No caso delas não basta entrarem para coleções particulares, é necessário também que façam parte dos acervos públicos, que circulem em ambientes diversos sob argumentos curatoriais também diversos; que figurem em catálogos impressos ou digitais e que xs artistxs e tantxs outrxs profissionais da cultura possam viver dignamente de seu trabalho, expandir suas capacidades de interpretação crítica e mudar a situação social horrenda pela qual passa o Brasil, agravada agora pela pandemia de Covid-19, cuja resposta governamental, apesar do quadro aterrador, é o desamparo e o desprezo total pela vida em função das políticas de morte. Essas políticas têm apoio judiciário, midiático, militar. É preciso, finalmente, recordar que o congelamento de gastos públicos por 20 anos, aprovado pelo senado por 53 votos a favor e só 16 contra, em dezembro de 2016, que ficou conhecido como a PEC da Morte, segue fazendo estragos nas áreas de educação, cultura, saúde, trabalho, meio ambiente e infraestrutura urbana.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alexandre Araujo Bispo

ALEXANDRE ARAÚJO BISPO é doutor e mestre em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo. Vive e trabalha em São Paulo. Atua com curadoria, crítica de arte, arte educação e produção cultural. Foi curador artístico, entre outras, das exposições: Aline Motta: Em três tempos: memória, viagem e água (2019); Medo, fascínio e repressão na Missão de Pesquisas Folclóricas, 1938-2015 (2015-2016); Negro Imaginário (2008). Curador educativo entre outras, das exposições: Todo poder ao povo: Emory Douglas e os Panteras Negras (2017) e Bienal Naïfs do Brasil (2018). Possui textos em publicações como Contemporary And América Latina; Revista Omenelick 2º Ato; Art Bazaar; Revista ZUM; SP-Arte; Pivô; Co-autor de Cidades sul americanas como arenas culturais (2019); Metrópole: experiência paulistana (2017) e Vida e Grafias: narrativas antropológicas entre biografia e etnografia (2015).

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.