novembro de 2010

A POESIA DE ZINHO TRINDADE

Nabor Jr.

 

 

fotos MANDELACREW
ilustrações Taíme Gouvêa

 

 

 

 

 

 

“Rimarei
Farei repentes
Partidos
Trovas
Prosa, verso, ritmo e poesia
Rimo pelo sangue derramado dos heróis
Que fizeram nossa história”

(RAP, poesia de Zinho Trindade publicada no livro Tarja Preta, de 2010)

 

 

 

 

São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2010. No pulso, o velho relógio marca 23h47. Há pouco uma garoa fina começara a cair do céu. Ruas e roupas molhadas deixam tudo ainda mais frio.

 

Mas dentro do espaço cultural Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, em Perdizes, zona oeste da capital, onde acabara de se encerrar mais uma contagiante edição do ZAP (Zona Autônoma da Palavra), evento que celebra a poesia falada, o clima é quente.

 

E é de lá que surge Zinho Trindade. De mochila nas costas, andar apressado e uma boina de veludo sobre os longos dreadlocks espalhados pela jaqueta de estilo militar.

 

Atrasado para o show que faria ainda naquela noite, ao lado da banda Legado de Solano, em Pinheiros, resolveu conceder a entrevista no carro, a caminho da apresentação.

 

Poeta, MC, ator e escritor, Ayrton Félix Olinto de Souza, apelidado Zinho Trindade, teve seus primeiros contatos com a cultura popular brasileira na cidade de Embu das Artes, onde nasceu. Incentivado pela avó, a artista plástica, coreógrafa e folclorista Raquel Trindade, ainda criança frequentou rodas de umbigada, maracatu e jongo mineiro promovidas pelo Teatro Popular Solano Trindade, dirigido por Raquel e que tem o seu trabalho voltado à preservação e promoção da cultura popular nacional.

 

Por volta dos 16 anos, descobriu o rap, que mais tarde viria ser a principal vertente da sua produção musical. Adepto do estilo freestyle e da improvisação, apropria-se de samplers de tambores de terreiro e coco para rimar a cultura popular afro-brasileira que conheceu tendo acesso ao legado do bisavô.

 

Legado este que originou o projeto “Zinho Trindade e o Legado de Solano”, formada pelos músicos Negro Lima, Aimê Uehara, Bruno Duarte, Manoel Trindade e Dj Erry-g. No show eles transformam em música os poemas do poeta negro.

 

Definitivamente Solano está vivo, não apenas nos improvisos e no sobrenome de Zinho, ou nas coreografias e pinturas de Raquel. O legado do poeta extrapola os laços familiares do clã Trindade, ele está também em João, em Maria, em José, e em cada um dos brasileiros que hoje desfrutam do seu “sangue derramado”.

 

 

 

O LEGADO DE SOLANO

 

 

“Naquela noite
ficou o teu olhar branco
vagando no escuro
entre ternura e medo
teus olhos grandes
dançavam como loucos
na música do silêncio

Eu era animal e poeta
a procurar em ti
o que perdi em outra”

(Linda Negra, poema de Solano Trindade publicado no livro Cantares de Meu Povo, de 1961)

 

 

Mesmo reverenciado por nomes como Carlos Drummond de Andrade, Darcy Ribeiro, José Louzeiro e Sérgio Milliet, a obra de Solano Trindade não consta nos manuais de Literatura brasileira, é pouquíssimo mencionada nas salas de aula e dificilmente encontrada em livrarias ou bibliotecas.

Contudo, por também ser um Trindade, além de ter nascido e crescido em Embu das Artes, desde criança Zinho ouve falar do bisavô, não apenas como mais um integrante da família. “Solano Trindade é sinônimo de resistência e de luta. Para mim ele é um guia. Apesar de ter falecido há mais de 30 anos, sua linguagem é viva e contemporânea ainda hoje”, afirma.

 

Poeta de importância fundamental para a literatura afro-brasileira, Francisco Solano Trindade nasceu no bairro de São José, em Recife (PE), em 24 de julho de 1908.

 

Foi pintor, teatrólogo, folclorista, ator e, sobretudo, poeta da resistência negra. Ciente de que tinha a missão de não só fazer poesias, mas de atuar como intelectual que busca interferir na vida sociocultural de seu tempo, participou de uma série de atividades dos movimentos negros e da cultura brasileira desde a década de 1930.

 

Escreveu os livros Poemas Negros (1936), Poemas de Uma Vida Simples (1944), Seis Tempos de Poesia (1958) e Cantares de Meu Povo (1961).

 

Em seus textos ficam evidentes os traços característicos de um intelectual ativo, interessado em fazer de seu trabalho um elemento decisivo para a construção de um país menos desigual.

 

Entre outros de seus inúmeros feitos, fundou a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro-brasileiro. Faleceu em 1974, aos 66 anos, no Rio de Janeiro.

 

 

“SE A COISA TÁ PRETA, É PORQUE TÁ BOM”

 

 

No último mês de setembro, Zinho Trindade lançou seu primeiro livro, intitulado Tarja Preta, pela editora independente Edições Maloqueiristas. A compilação de poemas, poesias, prosas e versos fruto de 14 anos de noites mal dormidas é, como ele mesmo define, “para o povo”.

 

“Se um acadêmico ler o meu livro ele não vai entender nem a metade, porque grande parte é gíria. Gíria de cadeia, de rua de quebrada. Meu livro é pra nóis”, resume o poeta marginal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SAIBA +

Livro: Tarja Preta
Autor: Zinho Trindade
Editora: Edições Maloqueirista
Ano: 2010

Nabor Jr.

Nabor Jr. é fundador-diretor da Revista O Menelick 2° Ato. Jornalista com especialização em Jornalismo Cultural e História da Arte, também atua como fotógrafo com o pseudônimo MANDELACREW.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.