novembro de 2013

OCUPAR, RESISTIR E INTERPRETAR GRUPOS DE TEATRO NEGRO DE SÃO PAULO SE REÚNEM E COMPARTILHAM SUAS EXPERIÊNCIAS

Christiane Gomes

 

 

 

 

 

fotos MANDELACREW

 

 

 

 

 

 

Como trabalham, se organizam e o que pensam alguns dos principais grupos de teatro negro que atuam hoje na capital paulista? Na calorosa noite de 11 de novembro (segunda-feira), a Sala Paissandu, na Galeria Olido, no centro da cidade, lotou de um público (com e sem melanina) interessado em respostas e reflexões a estes e outros questionamentos.

 

Promovido pela Secretaria Municipal de Cultura, a atividade Diálogos Teatrais, Teatro Negro e o(a) Negro(a) no Teatro: Estéticas, Resistência e Anunciação reuniu os grupos Cia. dos Inventivos, Cia. Os Filhos de Olorum, Os Crespos, Capulanas Cia. de Arte Negra e Coletivo Negro.

 

Quais os conteúdos são trabalhados na dramaturgia destes grupos? Em qual contexto? Quais diálogos são promovidos? Quais suas escolhas e estéticas? Estas foram algumas das investidas que o doutor em História Social, músico e pesquisador Salloma Salomão, mediador do encontro, fez para fomentar os debates entre os representantes dos grupos.

 

Salloma destacou algumas características comuns entre as companhias, como vocalidade, narrativa e o corpo, e muito bem lembrou que estes grupos são herdeiros de uma representação negra que tem seus primórdios nas práticas populares do século 17 em regiões como o Nordeste e Minas Gerais, citou também a importância histórica do escritor carioca Lima Barreto (1881 – 1922), que pode ter sido o primeiro autor de uma dramaturgia negra no país. “Hoje temos um panorama muito mais promissor do que no século 20. Um panorama que não se concentra mais no eixo Rio-São Paulo e que emerge companhias que abrem espaço de negritude, os chamados diaspóricos”, afirmou.

 

“Hoje temos um panorama muito mais promissor do que no século 20. Um panorama que não se concentra mais no eixo Rio-São Paulo e que emerge companhias que abrem espaço de negritude, os chamados diaspóricos”, Salloma Salomão.

 

Outro ponto de convergência observado entre os grupos é o seu ambiente de formação, nascimento: o espaço universitário. Um local que, muitas vezes, pode ser caracterizado pela hostilidade ao negro que deseja se reconhecer e encenar questões pertinentes à ele. A palavra hostil foi usada algumas vezes por Sidney Santiago, um dos fundadores da Cia. Os Crespos, grupo que nasceu na Escola Dramática da Universidade de São Paulo (EAD/USP), instituição que em 60 anos de existência contou apenas com 25 atores negros formados. Hostil também era o ambiente da PUC/SP, na faculdade de Artes do Corpo, onde nasceu a Cia. Capulanas de Arte Negra, que tem como característica fundamental a memória subterrânea, calcada na arte, política e religião, expressada pelas mais diferentes variáveis corporais como dança, música e claro, teatro.

 

 

 

 

“Precisamos construir um lugar para termos vida nestes espaços da universidade, foi necessário nos unirmos para criar um trabalho que tivesse a nossa cara”, afirmou a Capulana Priscila Preta.

 

Lucélia Sérgio, da Cia. Os Crespos, completou: “se eu não me vejo, não há como me formar. Ou se abandona aquele espaço ou forjamos nossa própria educação e a utilizamos para a nossa criação artística”. Em tempo, a formação nas escolas de teatro citadas passa, por exemplo, batida pela experiência do Teatro Experimental do Negro (TEN), de Abdias do Nascimento, e pela história de Benjamin de Oliveira, outro grande artista negro brasileiro.

 

Já na Escola Livre de Teatro de Santo André, a ELT, onde nasceram a Cia. dos Inventivos e o Coletivo Negro, a liberdade de representação era exercida com mais fluidez. Inclusive para estes dois grupos, a questão da racialidade, apesar de intrinsicamente ligada aos seus artistas, ganhou força na cena à medida que as pesquisas para as montagens iam ganhando corpo.

 

“Se eu não me vejo, não há como me formar. Ou se abandona aquele espaço ou forjamos nossa própria educação e a utilizamos para a nossa criação artística”, Lucélia Sérgio.

 

A participação e o envolvimento do público nas encenações foi um ponto discutido no debate. Integrante fundador do Coletivo Negro, Jé Oliveira lembrou que, em geral, a classe teatral não está presente nos espetáculos de seu grupo, mas que a massiva presença de negros na plateia o alegra e incentiva. A olhos vistos, o processo de retomada do público negro as obras teatrais da cidade está em curso. “Há uma necessidade de representação. Se eu consigo me ver em uma peça, eu vou voltar e recomendá-la a outras pessoas. Quando eu não me vejo, eu não vou. Estamos conseguindo colocar nossas questões em cena e juntos, construir a nossa identidade”, colocou Lucélia Sérgio.

 

Cada um dos grupos possui suas opções estéticas, territoriais e políticas, mas todos estão juntos e conectados no objetivo de sair do isolamento e romper com o sentimento de individualidade subalterna que o racismo insiste em empregar. E nesta caminhada, a participação e organização política também são fundamentais. “O teatro de São Paulo não pode ficar tão acadêmico como está. Por isso é importante a representação negra também nas bancas de avaliação dos projetos”, defendeu Jé Oliveira. Inclusive, atualmente, as políticas públicas seguem sendo a principal forma de sobrevivência dos grupos. Porém, apesar dos avanços nos editais, a realidade ainda é precária e a solidariedade e o apoio mútuo entre os grupos é condição básica para seguir na resistência. Desta forma se garante a continuidade dos trabalhos destes coletivos e também a certeza de que nossa história seja escrita e contada por quem melhor sabe dela: nós mesmos. Afinal, nosso lugar é, também, em cena!

 

 

 

 

 

 

 

 

Christiane Gomes

CHRISTIANE GOMES é jornalista, mestra em Comunicação e Cultura pela USP e coordenadora do corpo de dança do Bloco Afro Ilú Obá de Min.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.