novembro de 2010

A DANÇA QUE FORTALECE

Christiane Gomes

 

 

 

fotos MANDELACREW

 

 

 

 

 

“A arte não se separa da vida. Antes, abrange todas as suas formas de atividade, conferindo-lhes sentido.” A frase, do filósofo malinês Hampâté Ba, se aplica muito bem quando se pensa no lugar que a música e a dança ocupa nas culturas africanas e claro, na brasileira também.

 

As nações africanas que, escravizadas, vieram para o Brasil, deixaram muito mais que o suor de seu trabalho forçado. Constituíram também a base da cultura brasileira. Séculos depois, esse caminho continua sendo trilhado e a (re) descoberta da dança e da música africana (que é o que nos cabe dizer aqui) segue a todo o vapor.

 

A dança afro está em um balaio bem grande, que envolve uma importante complexidade. A movimentação dos orixás é uma das primeiras que vem a mente. Mesmo marginalizada, saiu dos terreiros de candomblé e ganhou espaço pedagógico em escolas e grupos artísticos. Grande parte das danças brasileiras também tem seu pé (e boa parte do corpo) na África. É o caso do jongo, da congada, do batuque de umbigada, do côco.

 

 

Nos últimos anos, em São Paulo, tem crescido o interesse pela prática das danças tradicionais africanas.  “Houve uma importante valorização. Apesar das pessoas conhecerem pouco, quando conhecem, se identificam, porque existe um vigor que é percebido no corpo”, conta a bailarina Flávia Mazal, que há sete anos oferece aulas de dança africana na capital.

 

Para além de uma atividade lúdica ou folclórica é fundamental conquistar mais reconhecimento. “Eu sempre considerei que estas danças têm um conteúdo técnico tal e qual outras expressões corporais. Mas a gente tem, em geral, pouca legitimidade porque não se construiu um conteúdo, uma pesquisa acadêmica sobre elas”, comenta Luciane Ramos, antropóloga e dançarina afro (como ela mesma gosta de dizer).  Seu primeiro contato com a dança africana, ironicamente, não aconteceu nem no Brasil, nem na África. Foi nos Estados Unidos, quando então estudante de antropologia, ganhou uma bolsa de estudos. De volta ao país, surgiu o desejo de mais pesquisa e conhecimento.

 

 

Enquanto isso no Brasil

 

Um belo exemplo dessa herança e influência que a África tem sobre nós é o Bloco Afro Ilú Oba de Min. Criado pelas percussionistas e arte-educadoras Adriana Aragão e Beth Beli, o grupo tem entre seus objetivos principais celebrar a cultura afro-brasileira fortalecendo o papel da mulher e ocupando o espaço público. A bateria é composta exclusivamente por mãos femininas que tocam agogôs, djembês, alfaias e xequerês. Os homens, se quiserem, podem estar no corpo de dança do grupo. Há seis anos, milhares de pessoas acompanham seu cortejo pelas ruas do centro da capital nas sextas de carnaval. Neste ano o grupo se tornou Ponto de Cultura e conquistou sua sede, no bairro da Barra Funda. Mas os ensaios/oficinas para o carnaval 2011 (que já começaram) seguem acontecendo no Centro de São Paulo. Em seus carnavais, o Ilú leva para as ruas a riqueza de histórias ou de figuras importantes para a cultura africana e/ou afro-brasileira. Em 2011, as Candaces (Rainhas Mães Africanas) serão o tema.

 

Tão presente e fundamental para a existência do ser, a dança comunica os hábitos e a verdade de uma cultura, impulsionando os corpos à criação. “No caso da África, embora ela seja diversa, existem fatores que podemos considerar como homogêneos no continente, que é o lugar da música e da dança, que faz parte da vida”. Vida essa que pode ser transformada. “Através da dança me percebi como mulher e negra e também fui percebida. Entendi o que é ter identidade racial, independente de pré ou pós conceitos; passei a entender minha história, quem sou, onde e porque estou”, diz Bia Rodrigues, dançarina do Ilú Obá de Min, há cinco anos.

 

 

Pergunto se você que está lendo essa matéria percebeu uma certa paixão pela dança e música africana e afro-brasileiras. Pois é, a jornalista que vos escreve deixou a imparcialidade de lado (se que é que ela existe mesmo), porque é também praticante da dança africana e dançarina do grupo Ilú Oba de Min. Mas o que aqui está é fato, não tem discussão: é verdadeira a riqueza dessas manifestações artísticas e seu potencial transformador. Encerro fazendo minhas as palavras de Luciane Ramos: “A cada vez que danço, me reconheço, me conheço e aprendo mais. A dança é um espaço de conhecimento”.

 

 

 

 

 

Christiane Gomes

CHRISTIANE GOMES é jornalista, mestra em Comunicação e Cultura pela USP e coordenadora do corpo de dança do Bloco Afro Ilú Obá de Min.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.