abril de 2019

PAVILHÕES DE PODER – UMA CONVERSA COM MARIA HELENA E WALDIR DICÁ, A REALEZA DO SAMBA PAULISTANO

Luciane Ramos-Silva e Nabor Jr.

 

 

 

 

 

 

 

fotos hudson rodrigues

 

 

 

 

 

“O samba não levanta mais poeira, o asfalto hoje cobriu o nosso chão”. A letra de Tradição, autoria do sambista e compositor Geraldo Filme (1928-1995), revela de maneira sofisticada as violentas mudanças na urbanidade paulistana nos idos dos anos 1970. Porém, mais do que afirmar que os arranha-céus do Bixiga passaram a cobrir a luz do luar, Tradição diz muito sobre a inquietação do respeitado sambista e militante negro com a modernização extrativista do carnaval de São Paulo, das suas lembranças dos símbolos tradicionais do bairro do Bixiga e da saudade dos cordões com foliões mascarados e seus mestres e balizas.

 

O que apontava Geraldão, apelido pelo qual Filme era carinhosamente chamado pelos companheiros do samba, agravou-se com o passar do tempo: camadas de transformações  que acometeram  as manifestações afro-brasileiras, entre elas o samba.

 

Em entrevista, o casal Maria Helena e Waldir Dicá, integrantes (e fundadores) da Velha Guarda da Escola de Samba Rosas de Ouro e embaixadores do samba paulistano (seleto grupo de sambistas reconhecidos por suas contribuições à cultura e ao samba paulista), falam do processo de mercantilização do carnaval, das memórias dos antigos desfiles de São Paulo e do incessante trabalho de resgate e valorização das raízes fundadoras da maior festa popular do país.

 


Maria Helena: “É preciso e necessário resistir para continuar a existir. Precisamos nos aquilombar!”.

 

 

 

O MENELICK 2°ATO: QUAIS MEMÓRIAS VOCÊS TEM DOS ANTIGOS CARNAVAIS DE SÃO PAULO? 

WALDIR DICÁ – Os antigos carnavais ocorriam nos salões, nas ruas e em memoráveis desfiles. Foi um tempo encantado, porém, com o crescimento das escolas de samba do Rio de Janeiro e seu sucesso em todo Brasil, São Paulo também acabou “seduzido” por aquele sucesso eminente. O que ocorreu foi a legalização dos desfiles pelos presidentes das Escolas e o prefeito Faria Lima, que era carioca e entendia bem do assunto. A partir daí, diante do grande sucesso das escolas cariocas em São Paulo, acabaram-se os Cordões Vai-Vai e Camisa Verde, entre outros, por exemplo, e tudo se transformou em Escolas de Samba. Isso no início dos anos 1970. Os desfiles começaram na Avenida São João, passaram para a Avenida Tiradentes, depois para o Sambódromo e assim iniciou-se a transformação, inclusive com muitos cariocas aportando na Paulicéia e cooperando para que nosso “samba em desfile” ganhasse definitivamente o jeitão carioca.

 

Eu adorava assistir aos desfiles nas avenidas São João e Tiradentes, e posteriormente no recém-inaugurado Sambódromo do Anhembi. Os desfiles eram baseados na história do Brasil através de fatos históricos e as escolas eram economias criativas, talvez uma das primeiras economias criativas fundadas pelos negros pós-escravidão. As fantasias eram simples e encantadoras, feitas normalmente pelos “chefes de ala” em suas casas, através de pequenos grupos pertencentes à escola de samba. Isso ajudava muito várias famílias negras a subsistirem por um bom tempo. A partir do final da década de 1980, presidentes vislumbraram essa economia e algumas escolas começaram a centralizar as confecções, passando aos chefes de alas somente a responsabilidade de “tomar conta da ala” e recebendo uma porcentagem pelo serviço. Começava assim o fim das grandes economias criativas criadas pelos negros através das escolas de samba, tornando-os “trabalhadores da agremiação que criaram”

 

“As rainhas de bateria, mestres de bateria, passistas, diretores, faziam parte de uma escola de samba! E as baterias tocavam para o santo da casa e eram conhecidas por sua batucada, mestres e batuqueiros que constituíam escolas de verdade. Hoje são, em sua maioria, escolas de desfile, importam componentes, diretores, mestres e etc… visando fortalecer pontos estratégicos no desfile e carências por falta de formação”.

 

Foi no final da década de 60, vendo os desfiles da Unidos do Peruche e da escola do bairro em que moro (Vila Nova Cachoeirinha), o GRCES Brasil da Cachoeira, que fui influenciado a ser um sambista. Naquele tempo os sambas de enredo davam uma aula de história de fácil compreensão e os componentes sambavam por toda a avenida. Havia algumas alas tradicionais, que traziam aspectos culturais independentes do enredo. As alas eram: Capoeira, Baianas, Pandeiro e as escolas se orgulhavam de formarem grandes sambistas. As características das escolas faziam a diferença e de longe era possível saber quem vinha lá, aquilo me encantava…

Então começou a se delinear um conceito de que me valho: ‘há escolas de samba no passado e escolas de desfile no presente’. Vi grandes desfiles em diversas formações de escola num determinado tempo. Todas as escolas tem sua época de glória. Acompanhei muitos desfiles de perto, de 1972 até os dias de hoje, e os desfiles que mais me impressionaram foram dessa época, da década de 70, sob a batuta de grandes presidentes como Inocêncio Tobias, Pé Rachado, Eduardo Basílio, Seu Nenê. Eram escolas de samba que sambavam do começo ao fim do desfile. Possuíam uma harmonia difícil de ver nos dias de hoje. A Rosas de Ouro da Brasilândia, minha ´Pequena África’ fez também inesquecíveis desfiles sob a magia do saudoso compositor e poeta Zeca da Casa Verde. Enfim, vivemos tempos de glória e de construções inesquecíveis naquele quilombo, ou melhor, naquela pequena África chamada Vila Brasilândia.

 

 

MARIA HELENA – As escolas de samba estavam mais próximas de sua comunidade, em todos sentidos. O terreiro da escola de samba era uma extensão da sua casa, pois ali todos se conheciam, se respeitavam e conviviam em comunidade. Cada um colaborava como podia para que a escola brilhasse. Quando a escola ia para o desfile, aqueles que não iam ficavam no portão desejando boa sorte ao nos ver passar fantasiados. Era o bairro todo envolvido em torno do pavilhão que representava a comunidade local. Bons tempos aqueles! O público nas arquibancadas era um povo que emanava as melhores energias. Isso dava um impulso para que o sambista brilhasse e até flutuasse de tanta alegria. Havia um comprometimento da comunidade com a escola e da escola com a comunidade, e tudo isso representando um pavilhão.

 

 

 

 

OM2ATO – HÁ FUNDAMENTOS DAS CULTURAS NEGRAS EVIDENTES NESSE FESTEJO TÃO POPULAR NO BRASIL?

MH: Sim! A cultura negra faz a parte rítmica através dos instrumentistas, como por exemplo, o Surdo, instrumento que remete aos tambores da Mãe África em saudação aos Orixás. É ele o principal elemento que faz o corpo se embalar no compasso da dança. Costumo dizer que quando ouço o som de uma bateria de escola de samba tradicional, ou seja, de raízes negras, fecho os olhos e sinto os tambores de meus ancestrais africanos ecoarem.

 

 

WD: Sim, existem algumas escolas que mantém algumas evidências, porém, é muito difícil manter o samba no pé, as baterias originais, a formação e o gingado dos sambistas em detrimento dos passos coreografados, que muitas vezes pegam a escola toda. Os critérios de avaliação impõem normas que acabam enquadrando o componente e colocando-o num processo de desfile que automatiza e tira o prazer de desfilar.

 

“Nos dias de hoje acredito que é preciso criar duas escolas em cada agremiação, uma para manter a tradição, a leveza, o samba e a graça na quadra e nas apresentações durante o ano, e outra para o desfile no dia de carnaval”.

 

Penso que do jeito que as coisas vão logo chegaremos ao “Desfile do Festival das Flores”, que ocorre nos EUA, alegorias grandiosas e só… Pra quem gosta de sambar e desfilar mostrando a escola é preciso aumentar o tempo de desfile, colocar uma nota que avalie o samba no pé e urgentemente diminuir o número de escolas no grupo especial, pois, além de cansar os espectadores com aquelas alegorias gigantescas escondendo as alas, o tempo para desfile é muito pouco, fazendo com que a evolução seja prejudicada, tornando-se um dos principais entraves no julgamento…

 

 

Carros alegóricos enormes, aumento no número de componentes e alas grandiosas andando na avenida durante o desfile, e num determinado tempo elas saem correndo para não perder ponto rumo a dispersão. Não dá para sambar, evoluir com graça e interagir com o público. Nota-se uma tensão com o tempo de desfile e uma passagem diante do público sem interação. Diante de tantas adequações para julgar quesitos, os fundamentos acabam ficando em segundo plano.

 

Nos dias de hoje acredito que é preciso criar duas escolas em cada agremiação, uma para manter a tradição, a leveza, o samba e a graça na quadra e nas apresentações durante o ano, e outra para o desfile no dia de carnaval.

 

 

 

 

OM2ATO – PODERIAM FALAR UM POUCO DA VIVÊNCIA NA ROSAS DE OURO E EM OUTRAS AGREMIAÇÕES DE SÃO PAULO?  QUAIS POTÊNCIAS E REFLEXÕES PROVOCARAM?

MH: Minha vivência inicia-se na Vila Brasilândia, bairro onde nasci, formado por uma maioria de pessoas negras. Sendo inclusive na época chamada de “Pequena África”. Lá as manifestações de matriz africana eram latentes e a escola trazia essas pessoas que deram início a tudo.

 

No terreiro (quintal) de uma “nega véia” aconteciam os batuques que deram início as escolas de samba. Ali estavam todos envolvidos… crianças, adolescentes, adultos e os mais velhos. Havia um encontro de gerações e assim os conhecimentos e ensinamentos eram passados. Ao fundar a escola, ensaiávamos na rua por muito tempo, antes de conseguir a quadra. Passei por muitos seguimentos de uma escola de samba: fui passista, destaque, chefe de ala, até chegar a ser fundadora da Velha Guarda da Rosas de Ouro, juntamente com meu marido, Waldir Dicá.

 

“Meu marido e eu nos conhecemos na escola Rosas de Ouro (…), nos casamos e nossas filhas nasceram na escola.
Nossa família nasceu nesse terreiro. Todo o aprendizado, fundamentos e potências que recebemos nesse inicio é de muita valia para nós”. 

 

Quando a Escola fez 30 anos recebi a faixa de Primeira Dama da Velha Guarda, representando o elo entre o início da escola até os dias de hoje. Eu e meu marido nos conhecemos na escola Rosas de Ouro, na Brasilândia, nos casamos e nossas filhas nasceram na escola. Enfim, nossa família nasceu nesse terreiro. Todo o aprendizado, fundamentos e potências que recebemos nesse início é de muita valia para nós. Remete-nos a reflexão que emana como espelho aos nossos sucessores (filhas, netos…), a importância das raízes ancestrais e culturais.

 

WD: Vivi um momento mágico na Rosas de Ouro. Cheguei em 1974 para o desfile de 1975, e acreditava que desfilaria no Camisa Verde e Branco, mas conheci no trabalho (Banco Itaú)  um dos maiores sambistas que a Brasilândia já teve, que era o Paulo Sérgio de Oliveira, o Mug, que acabou me convencendo a subir o morro da Brasilândia e conhecer a Rosas de Ouro. Dali para frente acabei me apaixonando e desfilando por vários anos…

 

Também passei por vários seguimentos da escola e participei de todos os títulos que a escola possui. Na escola e através da escola conheci inúmeros sambistas e a minha esposa, Maria Helena. Na Rosas da Brasilândia tive a noção do que é uma comunidade de samba e participei dela, porém participei também da desconstrução do conceito de comunidade. Isso foi uma tendência do carnaval e das escolas de samba mais antigas, pois as novas já nasceram com outros conceitos de escola e comunidade.  Na Rosas, fui indicado juntamente com minha esposa para representar a agremiação numa disputa em terreiro de samba (quadra) que escolheria o Cidadão e Cidadã do Samba Paulistano, com sambistas da Velha Guarda de outras escolas”. Ganhamos o título se constituindo como o primeiro casal casado de Cidadão Samba do Brasil a ganhar um título no terreiro. Posteriormente fomos agraciados pela União das Escolas de Samba Paulistanas (Uesp) com o título de Embaixadores do Samba.

 

 

 

 

OM2ATO – EM TERMOS DE FUNDAMENTO, QUAL O SENTIDO DAS ESCOLAS DE TIMES DE FUTEBOL? COMO ELAS GANHARAM TANTO ESPAÇO?

MH: Para falar do presente e entendê-lo é preciso mexer no passado. Haviam muitos campos de várzea nas periferias e comunidades de São Paulo, e neles as batucadas de beira de campo. Quando surgia uma escola de samba naquele território, geralmente eram eles que formavam as baterias dessas escolas, pois já faziam parte da comunidade. Tudo isso fundamentado pelos mais velhos e conhecedores de tal firmação. Nos grandes estádios também existem as batucadas e as paixões pelos grandes times de futebol. Juntam-se essas duas vertentes e formam-se os blocos, assim como foi a Gaviões da Fiel. Devido ao seu crescimento em plástica e alegorias, essa agremiação recebeu o aval da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo e passou a ser, de fato, uma escola de samba. Abrindo assim o caminho para o surgimento de outras escolas originárias de torcidas de time de futebol. Devido essa mudança é que as escolas de samba passaram a ser avaliadas por grandes alegorias e fantasias luxuosas. As escolas oriundas de time, tendo um poder financeiro maior obtido durante o ano todo, além da subvenção da prefeitura, acabaram ganhando espaço. Mas aquele fundamento que vem das raízes não faz parte desse time.

 

 

 

 

WD: As escolas de samba oriundas de times de futebol surgiram no final da década de 80, lá pelos idos de 1989, justamente devido à hegemonia nos desfiles de blocos e de títulos sequentes do bloco Gaviões da Fiel, torcida que insistia ganhando as disputas entre os blocos da divisão especial. Isso fez com que o Bloco virasse Escola de samba. Nessa época, a gestora do carnaval paulistano era a Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo, e através dos presidentes das escolas associadas houve a votação para que os blocos pudessem, ou não, virar escola de samba. Houve uma votação, que terminou empatado. Mas se decidiu pela entrada do Bloco Gaviões da Fiel no grupo das Escolas de Samba. Isso foi o portal para que outros blocos originários de torcida ganhassem o direito de também se tornarem escolas. Hoje as Escolas de samba originárias de “torcidas” são diversas e acabaram criando uma disputa desigual com as escolas tradicionais. O objeto social é outro, as formas de captação de recursos diferentes, pois ocorre o ano todo, aumentando inclusive o abismo a cada ano que passa entre as escolas tradicionais e escolas oriundas de torcida. “Escolas de samba formam” não é como times de futebol e ou empresas que trazem os melhores profissionais para seu empreendimento. Antigamente os sambistas e as escolas se orgulhavam de seus mestres e formandos.

 

Sabe-se que as Escolas de Samba nasceram no Rio de Janeiro, criando inclusive uma “economia criativa” alicerçada nas dificuldades dos negros recém-libertos da escravidão, no início do século XX. Lá, todas as fantasias, ensaios, alegorias e toda produção para os desfiles eram da e para a comunidade. Não havia esse viés de hoje. Por um bom tempo, toda produção cultural, confecção de fantasias e protagonismo nos desfiles se centralizou nos negros e brancos pobres. Hoje as escolas de samba tornaram-se empresas.

 

 

OM2ATO – Vimos um vídeo nas redes sociais em que vocês dois comentam o que virou a “evolução” nos desfiles. Podem comentar isso pensando nas formas de organizar e comunicar no desfile? 

MH – Hoje criaram um modelo chamado “Escola Empresa”, inclusive diretores de escolas de samba vão a empresas fazer palestras referentes à organização, pois a escola tem vários departamentos e vive em busca de um bom resultado. Isso é importante, pois já que se tornaram “escolas empresas” deveriam dar trabalho ao Griôs para que a essência de escolas de samba não se perca e também não se mistifique o samba enquanto cultura tradicional de um povo. Esses Griôs deveriam dar orientação a respeito dos vários quesitos que compõem uma escola de samba, pois sabemos que o tempo hoje é outro, tudo evolui e o desfile hoje tem outra velocidade e características, principalmente na construção das alegorias e número de componentes. As Escolas têm procurado se adequar ao número de componentes, o tempo de desfile tem sido o calcanhar de aquiles, no final de desfiles muitos saem da avenida correndo. Portanto, é preciso se adequar, mas também estar atento para não perder a essência. Fazendo um trocadilho… O prato, por mais sofisticado que seja, precisa dos temperos mais simples para dar sabor a esse prato.

 

 

 “O samba tornou-se um grande negócio, os negros sistematicamente afastados das escolas levaram consigo sua arte natural. A dança original, por exemplo, quase já não existe mais parece que é proibido sambar nos desfiles. A batucada original com muitas variáveis feita por batuqueiros virtuosos deixou de existir”.

WD – As Escolas de Samba tem como princípio mostrar com seus alunos durante os desfiles evidências e características principais de uma escola de samba. Samba no pé, batuque, aspectos tradicionais como mestre sala e porta bandeira, bateria, comissão de frente… propiciando uma leitura do enredo que passa por todas essas alas que desfilam embaladas pela bateria, que dá o ritmo à música cantada, que é o samba enredo. Então existem três aspectos principais num desfile que propiciam a leitura do enredo: o canto, a dança e o enredo mostrado por fantasias através das alas e alegorias. Como escolas tradicionais, essa era a dificuldade encontrada por muitos, desfilar numa escola de samba criada pelos negros, e como tudo que criamos cai no preconceito brasileiro há um tempo para aceitação. Isso é notório desde o surgimento das Escolas de Samba no século XIX até o final do século XX. Se empoderar do samba foi como matar a galinha dos ovos de ouro.

 

O samba tornou-se um grande negócio, os negros sistematicamente afastados das escolas levaram consigo sua arte natural. A dança original, por exemplo, quase já não existe mais, parece que é proibido sambar nos desfiles. A batucada original com muitas variáveis feita por batuqueiros virtuosos deixou de existir. Criou-se os “ritmistas” e as baterias tornaram-se previsíveis perdendo sua autenticidade e ficando todas iguais. Os naipes dos instrumentos obedecem a uma forma singular de tocar. Fazem o mesmo desenho rítmico. Ver uma ala de cuíca tocando todos iguais ou fazendo os desenhos da mesma forma é de doer.

 

Quem viu e viveu os sambas feitos pelas baterias dos Mestres Lagrila, Feijoada, Valtão, Gilberto Bonga, Pato N´água e tantos outros, não consegue entender o porquê das mudanças. Havia um virtuosismo presente em todos os seguimentos da escola. Era possível trazer novos elementos para a bateria sem mudar a sua tradição cultural, pois culturas tradicionais são difíceis de manter, e o novo sempre vem e tenta mudar. Numa cidade como São Paulo, multicultural, é muito difícil fazer e manter tradições.

 

Hoje as escolas parecem iguais, mudam-se as cores e as alegorias. As danças, as baterias os desenhos rítmicos da bateria; e sua forma de se apresentar em desfile deixa de fora o samba no pé, as diferenças entre as baterias, as rainhas da comunidade etc. Existe uma busca após o carnaval por elementos de escola que garantem, a priori, pontos em determinados quesitos como carnavalescos, mestres de bateria, diretor de harmonia, mestres sala e porta bandeira, pois esses profissionais supostamente garantem pontos para a escola no ano vindouro e são muitas vezes contratados a peso de ouro. Então nos dias de hoje as escolas são mais de desfiles do que de samba.  Normalmente quem vence o desfile de carnaval fica como modelo a ser seguido para o ano vindouro, pois todos se baseiam na campeã! O novo dificilmente aparece…

 

 

 

 

OM2ATO – DIANTE DA MERCANTILIZAÇÃO E EMBRANQUECIMENTO DO CARNAVAL, OS QUILOMBOS RESISTIRÃO? 

MH – Fico feliz quando vejo pessoas mais jovens interessadas em manter acesa a chama dessa cultura e serem também mantenedores da cultura de matrizes africanas. É preciso e necessário resistir para continuar a existir. Precisamos nos aquilombar!

 

WD – Não sei, mas torço para que os quilombos culturais criem uma nova forma de manter a cultura tradicional e de manter acesa a chama do samba, tão perdida nos tempos de hoje, pois se não fizer sucumbirão…

 

 

 

 

Luciane Ramos-Silva e Nabor Jr.

LUCIANE RAMOS SILVA é antropóloga, artista da dança e mobilizadora cultural. Doutora em Artes da Cena e mestre em antropologia pela UNICAMP. Bacharel em Ciências Sociais pela USP. Atua nas áreas de artes da cena, estudos africanos e educação. /// NABOR JR. é fundador e diretor da revista O Menelick 2º Ato. Jornalista especializado em jornalismo cultural, fotógrafo (assina com o pseudônimo MANDELACREW as fotografias produzidas para a publicação) e responsável pela produção das imagens e edição dos vídeos da revista.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.