agosto de 2012

MAIS UMA DOSE OU, OS AFRO-SAMBAS

Nabor Jr.

 

 

 

 

 

 

Entre todos os grandes discos já lançados pela indústria fonográfica nacional, o álbum Os Afro-sambas (1966) ocupa um lugar de destaque. Resultado da inspirada – e inspiradora – parceria entre o violonista Baden Powell (1937 – 2000) e o poeta Vinícius de Moraes (1913 – 1980), o trabalho, que destila referências sonoras pinceladas nos sambas-de-roda da Bahia, nos pontos de candomblé e nos toques de berimbau, marcou de forma inesquecível a música popular brasileira.

 

Em 1962, Vinicius de Moraes conheceu Baden Powell na boate Arpège, no Leme, bairro da zona sul do Rio de Janeiro, quando foi prestigiar o amigo Tom Jobim (1927 – 1994). Na ocasião, Powell executava na guitarra canções americanas e alguns iê-iê-iês. Após o show, o “poetinha” se aproximou do violonista e o convidou para ser seu parceiro. Dias depois, Baden foi à procura de Vinicius em seu apartamento e os dois só saíram de lá três meses depois, com 25 canções e muitos litros de uísque na cachola.

 

A história acima é uma das lendas que o jornalista e biógrafo mineiro Ruy Castro reuniu em seu livro Chega de saudade: A história e as histórias da Bossa Nova (1990). Segundo Castro, que desmente o feito, foi Nilo Queiroz, aluno de violão de Baden, o responsável por colocar os dois frente a frente em seu apartamento na Avenida Atlântica. Vinicius passou a noite ouvindo o violão de Baden, que jorrava um repertório que chegava até Villa-Lobos.

 

O que se comprova nas duas histórias é a quantidade destruidora, ou talvez inspiradora, de uísque. Vinte caixas de Haig’s, trazidas de forma diplomática que, se divididas pelos 90 dias do retiro criativo, resultam em incríveis duas garrafas e meia por dia. Mas isso não foi trabalho para a dupla Baden e Vinicius.

 

Entre tanta bebida e tanto retiro, eles parecem ter alcançado o nível ideal para compor. Dali saíram 25 canções (o disco tem 8 faixas). Baden muito ouviu de Vinicius sobre a Bahia, além de ouvir um disco, presente de Carlos Coqueijo, que continha sambas de roda e trechos de berimbau. Powell nunca tinha ido à Bahia. Á época, era apenas um garoto que morava no subúrbio carioca.

 

“Essas antenas que Baden têm ligadas para a Bahia e, em última instância, para a África, permitiram-lhe realizar um novo sincretismo: carioquizar, dentro do espírito do samba moderno, o candomblé afro-brasileiro, dando-lhe ao mesmo tempo uma dimensão mais universal”, afirma Vinicius em nota que acompanha o encarte do LP.

 

Com arranjos de Guerra Peixe e participação em todas as faixas do Quarteto em Cy, Os afro-sambas entraram para a história da fonografia brasileira como um divisor de águas da MPB, reunindo dois gênios em convulsiva criação, escrevendo naqueles 90 dias o que se conhece por música popular africana brasileira ou, pelo menos, aquilo que habita o imaginário coletivo.

 

EDSON IKÊ
Afrosambista
40 X 28 cm
2012






Nabor Jr.

Nabor Jr. é fundador-diretor da Revista O Menelick 2° Ato. Jornalista com especialização em Jornalismo Cultural e História da Arte, também atua como fotógrafo com o pseudônimo MANDELACREW.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.