novembro de 2014

MARISA MOURA: ESTÉTICAS NEGRAS NA MODA BRASILEIRA E O ENFRENTAMENTO AO NEOCOLONIALISMO

Redação

 

 

 

fotos MANDELACREW

 

 

 

 

 

 

O que pode ser a moda para além dos circuitos legitimados de poder? Quando as inventividades das culturas de matrizes negras serão empunhadas pelos seus protagonistas e deixarão de ser objeto em mãos oportunistas que, por ignorarem a engrenagem histórica e social, percebem-se bem intencionadas? O que significa criar com perspectivas afrocentradas quando o consumo e as referências são ditadas por um mercado que normatiza a estética? Conversamos com três estilistas e consultoras de moda negras e de diferentes gerações para conhecermos suas escolhas, parâmetros e intenções.

 

 

 

NOME COMPLETO MARISA MOURA

ANO DE NASCIMENTO: ?

LOCAL DE NASCIMENTO (CIDADE): ARARAQUARA

FORMAÇÃO EDUCACIONAL FORMAL (CURSO DE GRADUAÇÃO): MAGISTÉRIO

QUANTOS ANOS ATUANDO COM MODA: O trabalho artesanal está no DNA da minha família, fiz um curso de corte e costura ainda criança, adolescente. Mas o meu primeiro trabalho dente deste contexto, que foi um desfile de moda afro, aconteceu em 1997.

 

 

 

 

O MENELICK 2º ATO – Quais são os maiores desafios enquanto mulher, negra e criadora/ empreendedora?

MARISA MOURA: Eu acho que o maior desafio é a oportunidade e investimento. Acho que para nós, mulheres negras são dois grandes desafios. A criação, o trabalho, nós temos, o que falta mesmo é o investimento financeiro. E se nós olharmos a história veremos que umas pessoas têm mais oportunidades e investimento que outras.

 

OM2ºATO – Na indústria global de consumo, com todas as suas exclusividades e acessos restritos para produzir e consumir, qual o lugar das estéticas negras? Entendendo o conceito de estética não só como plástica, mas como forma de estar no mundo.

MM: Acho que agora é que nós estamos ocupando o nosso lugar, mas estamos ainda engatinhando neste processo. Muitas pessoas a valorizam, não sei se valorizam – como dizem por aí – só na frente. Agora, ocupando um lugar acho que estamos apenas começando. Eu vejo, por exemplo, o modo e o volume de meninas usando turbante hoje em dia, e acho que isso é uma conquista nossa. No ano passado no SPFW teve um lançamento de turbante porque estamos resistindo e insistindo, mas ainda tem uma grande caminhada.

Acredito muito nessa geração de jovens de hoje, de uns 10 anos para cá, com a alto-estima elevada, que eles têm ao usar uma camiseta grande. A classe dominante se adaptou a essa moda que saiu do gueto. Agora é moda.

 

 

OM2ºATO – Em seu processo criativo você utiliza diretamente algum elemento oriundo da cultura diaspórica ou indígena? (Exemplos: palha da costa, wax, missanga). Você propõe alguma reinvenção, atualização?

MM: Eu uso muito palha da costa, búzio, muita semente, eu gosto muito. Acho que o meu trabalho é uma releitura daquilo que os negros faziam na senzala. Eu tive uma prima que sempre me contava histórias dos negros e do que eles faziam na senzala, e ela juntava retalhos, fazendo os trabalhos manuais e eu admirava tudo que ela fazia. Então essa herança ficou. Eu não consigo fazer nada hoje sem antes fazer um pensamento, uma oração para os meus antepassados. Eu acho que nós temos que ter história. Quem não valoriza o passado não tem futuro. Não podemos esquecer a nossa história. Nós não caímos de paraquedas aqui. Por tudo que eles passaram eu acho que é uma homenagem. O DNA do negro é a arte.

Historicamente os negros usavam algodão cru, que era um tecido que ninguém usava, que era entre aspas lixo, estopa e com isso eles modelavam e faziam as roupas deles, e barbante. Esse material é a base e eu me aproprie dele. Daquilo que o negro deixou na senzala, quatro elementos norteiam meu trabalho: a arte em retalho, esse trabalho de pegar um pedaço ali outro aqui e construir uma peça; a amarração que é o princípio de tudo, antigamente não tinha modelagem e eles próprios faziam a modelagem. Aliás, que a França pegou e transformou em mu Lange, que é caríssimo, mas nada mais é do que herança nossa, eles pegavam tecido e amarravam no corpo e desses tecidos faziam vários modelos; a bata e a pintura. Além dos acessórios onde utilizo muito metal.

 

OM2ºATO – É possível realizar uma anti-moda? Formas de vestir e se expressar que não estejam amarradas por tendências ditadas pelo mercado? Com tamanhos, modelagens, cores libertas assim como um conteúdo que expresse de fato a identidade de quem veste?

MM: Nem me preocupo com as tendências da moda. Quando estou no meu processo de criação não consigo me influenciar pelo que está, ou não, na moda. Obviamente, por viver da moda, eu sei das coisas que estão acontecendo, as pessoas me convidam, me mandam as coisas, então eu vou ao SPFW, no Estação da Moda, eu vou em alguns lugares que trabalha, as tendências da moda muito em razão dos convites que recebo. Mas eu fico muito triste quando vejo nossas coisas nestes espaços e não vejo os negros apoderados por isso.

 

 

OM2ºATO – Você acredita que haja uma estética na moda, estilo e maquiagem que possa ser chamada de negra ou afro-brasileira e que não recai em estereótipos, ou seja, a maneira como esperam que nós negros nos vistamos e que possa ser aplicada/ usada no cotidiano para o trabalho, uma festa simples, etc.? Um exemplo de composição/ roupas e acessórios possíveis.

MM: Acho que existe, mas falta a gente se apropriar dela. Gosto muito da moda da Goya Lopes, por exemplo. Para mim, no meu conceito, ela faz uma moda afro-brasileira legítima, principalmente por produzir ela mesma as estampas das roupas. Ela não traz o tecido africano ou compra esse tecido em uma loja, ela mesma desenha e faz as estamparias. E eu valorizo muito isso.

 

OM2ºATO – Quais são as referências criativas que te influenciam ao montar um visual, uma vestimenta? Quais estilistas, artistas, paisagens, lugares, livros e pensamentos te influenciam no momento criativo?

MM: As histórias me inspiram muito, as histórias da vinda dos negros para cá, o Museu Afro Brasil, a USP tem referencias intelectuais muito boas, leio algumas coisas também, outras me enviam pela internet como textos, imagens. Gosto muito de festas populares, coisas de rua, casamentos africanos. Minha inspiração é negra.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.