setembro de 2010

JOVEM SETENTÃO

Juliana Biscalquin

 

 

 

fotos MANDELACREW

 

 

 

 

 

 

 

“Uma hora eu achava que tudo ia pro buraco. Tinha virado meio clube de bocha sabe?”.

 

Desde quando a lendária Rolleiflex 6×6 ainda era um lançamento, o Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB), que este ano completa 71 anos de existência, mantém-se em atividade ininterruptamente.

 

Fruto do trabalho de gente apaixonada por fotografia, a entidade nasceu em 1939 e, desde 1998, ocupa um pequeno prédio na badalada região conhecida como baixa Augusta, em São Paulo.

 

Apesar de setentão, o clube, que continua sendo uma referência quando o assunto é fotografia moderna brasileira, soube adequar-se aos avanços tecnológicos impostos pela modernidade e hoje, após reformular sua grade de cursos, investir na comunicação digital e ver o quadro de sócios voltar a engordar, reflete a jovialidade do seu comandante.

 

Fotógrafo e web designer, o bem-humorado José Luiz Pedro, de 35 anos, autor da frase que abre o texto, é quem há sete anos preside o clube. Conhecedor da fotografia, da sua história, personagens, estilos e equipamentos, ele nos concedeu uma entrevista.

 

Durante o papo, falou sobre as mudanças advindas com a era digital, dos seus 14 anos de clube e desmistificou impressões saudosistas sobre o Bandeirante.

 

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O MENELICK 2º ATO – Como começou sua história no Bandeirante?
José  Luis – A Folha [Folha de São Paulo] tinha feito uma coleção sobre fotografias e eu vi as fotos do Salgado [Sebastião]. Quis saber mais sobre aquilo e fui procurar aulas técnicas. Conheci um professor que na época estava indo para o Bandeirante, que ainda ficava na Aclimação. Ele me convidou pra trabalhar lá e eu topei. Isso era em 1996…

 

OM2ºATO – O que você acha que mudou desde então?
JL – Pra responder isso tenho que voltar na história. Fotografia é um hobby caro. Hoje ainda é assim, mas na época era mais. Quem fotografava no início do século passado? Industriais, advogados, gente que tinha dinheiro. O Bandeirante foi formado por pessoas influentes e com certa grana. O clube foi levado como um clube de amigos no começo. Depois do Salão Paulista de Arte Fotográfica, começaram a levar a coisa a sério. Foi aí que entrou o nosso Corleone, o Salvatore [Eduardo] que ficou na presidência de 1943 até 1990. É praticamente ele que conta a nossa história nos livros. Mas, dando um salto da década de 50, veio a Escola Paulista, o fotojornalismo, aí o fotoclubismo deu uma caída, a década de 70 foi meio bizarra, a de 80 quase morreu, o que retomou mesmo o fotoclubismo foi o digital.

 

OM2ºATO – E como isso aconteceu?
JL – Por volta de 2000, algumas iniciativas das empresas de fotografia tinham dado errado. Entre filme P&B, papel fotográfico e químico, quando o cara chegava no laboratório, já tinha gasto quase 200 reais. Tudo muito caro. Com o digital começaram a fotografar de novo. Embora agora a gente chame de “cultura do dedo nervoso” porque o pessoal acha que a máquina não vai acabar nunca…

 

OM2ºATO – E tiram as famosas fotografias pra ninguém ver…
JL – Metade vai pro lixo. O resto, pro flickr. Por isso, no começo, o digital derrubou a gente. O pessoal pensava: “pra que vou aprender a fotografar se a máquina faz sozinha?” Aí compravam mono reflex com um tempo de vida útil que é metade da analógica. E vem os problemas com obturador, no ccd etc. Por isso as pessoas voltaram a procurar as aulas. De repente tudo mudou. Quando organizamos a bienal de clubes em 2003 eram 18 no total, hoje existem 70! Na comemoração dos 60 anos do Bandeirante não sabíamos direito o que tínhamos, na exposição dos 70 anos, ano passado (2009) foi totalmente diferente. Isso retomou a idéia dos clubes de fotografia e o interesse das pessoas.

 

 

OM2ºATO – E você não sente um clima de saudosismo quando as pessoas procuram pelo Bandeirante?
JL – É mais de fora pra dentro do que de dentro pra fora. Chegam pessoas aqui dizendo que o avô ou o pai pertenceram ao Bandeirante na década de 40, mas eu tenho 30 anos, não conheci essas pessoas. Conheci muitos dos caras que morreram entre 2000 e 2005, como o Salvatore [Eduardo] e alguns que ainda estão vivos como o Lorca [German], mas a maioria não. Acho que se fala muito desse saudosismo porque realmente o clube viveu disso enquanto eles estavam presentes. Muitos deles ficaram até morrer. Foram pioneiros em sua época, mas continuaram seguindo a mesma linha sempre. Um pioneiro na década de 40 não é pioneiro na década de 80. Quando mudamos pra cá [rua Augusta] pensamos em fazer diferente. Vamos contar a história do clube, mas a fotografia mudou e vamos mudar com ela. Quando se lê o livro da Helouise Costa [A Fotografia Moderna no Brasil] dá a impressão que é um clube que teve começo meio e fim…

 

OM2ºATO – E que vive até hoje desse saudosismo…
JL – E não é?! Como eu disse, é mais de fora pra dentro. Produzimos muito. Fazemos passeios fotográficos, participamos de bienais, concursos, salões. A Ferrari é Ferrari independente do piloto que está lá, não é? Então, o Bandeirante continuou até hoje e vai continuar.

 

OM2ºATO – Em termos estéticos, é inegável que o experimentalismo exercitado no Bandeirante foi importante pra história da fotografia. Hoje, você acha que existe uma estética a ser superada com a fotografia digital?
JL – Com a digital é como se a fotografia começasse de novo. Não no sentido do equipamento, que eu acho que só ficou mais barato para o fotógrafo, mas em relação às composições mesmo. Tem que bater mais nessa tecla pra aprender a fotografar profissionalmente. Porque o cara simplesmente compra a câmera e sai fotografando. Entra no nosso estúdio aqui e usa o fotômetro da câmera. A gente fala que precisa do fotômetro manual, mas ele faz de qualquer jeito. Virou pãozinho sabe? E por quê? Porque ele pode corrigir no Photoshop depois!

 

OM2ºATO – De que forma você acha que essa geração que não aprendeu a fotografar com película vai olhar para o fotoclubismo?
JL – Não acho que quem não conheceu película tem um problema. Eu também não conheci negativo de vidro e não me sinto frustrado por isso. É só um instrumento. Hoje se fotografa com celular… Eu vejo o pessoal da película como quem curte Western, ou carro antigo. O hobby dura enquanto a Kodak produzir o filme, né? Com o digital, os maiores compradores de filme P&B são as escolas e os fotoclubes. O digital vai acabar é com o filme colorido porque ninguém tem a intenção de fazer ampliação de filme em cor manualmente. A tendência é ter um salto engraçado: haverá o P&B e o digital.

 

OM2ºATO – Em relação à negritude, você já teve algum problema?
JL – Sabe que os caras até me perguntam: “Você é o presidente do Fotoclube mais tradicional da cidade e tu é negão! Eu digo: “E daí”?” Isso nunca me atrapalhou. Eu tenho uma história aqui.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Rolleiflex
É o nome de uma famosa, duradoura e diversificada linha de câmeras fotográficas para uso profissional fabricadas pela empresa alemã Franke & Heidecke. A primeira Rolleiflex foi fabricada em 1929, e era um modelo TLR.

 

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Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB)
Rua Augusta, 1108
(11) 3214 – 4234
www.fotoclub.art.br

Juliana Biscalquin

JULIANA BISCALQUIN é jornalista e fotógrafa.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.