abril de 2020

LENDO FRANTZ FANON NA ERA DO BLACK LIVES MATTER

Frieda Ekotto

 

 

 

 

 

 

 

fotos Ben Baker / Adam Wold
cortesia W.E.B Du Bois Collection

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“O que importa não é conhecer o mundo, mas mudá-lo”.
Frantz Fanon, em Pele Negra, Máscaras Brancas.

 

 

Hoje, na segunda década do século XXI, após os mandatos do presidente Barack Obama e vivendo a era de Donald Trump, depois dos violentos eventos de Ferguson, Missouri, Staten Island, Nova York, e enquanto assistimos à ascensão do nacionalismo branco em Charlottesville, Virginia, Christchurch, Nova Zelândia, e os recentes massacres em El Paso, Texas e Dayton, Ohio, para citar apenas alguns lugares, a política racial permanece impregnada na vida americana. Além disso, como mostram as crises de refugiados, a potencial retirada do Reino Unido da União Europeia e as eleções parlamentares de 2019, na Europa, as reverberações do passado colonial são palpáveis nas agitações, discórdia e violência contemporâneas. Todos esses males sociais têm suas origens na história e na memória, origens que muitas vezes têm sido ignoradas, se não apagadas, mesmo que continuem afetando nosso mundo cotemporâneo.

 

Para abordar essa história simultaneamente aos eventos atuais, este artigo interpreta o Black Lives Matter (2013) juntamente com o trabalho de Frantz Fanon (1925-1961) na luta pela dignidade das pessoas negras ao redor do mundo. Demonstra como, além do trabalho dos pensadores da Négritude (Aimé Césaire, Léopold Sédar Senghor, Léon Damas e W.E.B. Du Bois), os escritos do Fanon oferecem o contexto histórico necessário para compreendermos o movimento do Black Lives Matter e, mais amplamente, a experiência negra americana durante esta segunda década do século XXI. Fanon foi um dos primeiros a articular questões duradouras sobre a condição negra no mundo, e seus aportes teóricos explicam por que não haverá paz enquanto a dignidade de homens, mulheres e crianças negrxs forem ignoradas, e as suas vidas esmagadas.

 

 

W.E.B Du Bois, em foto feita no verão de 1907, em Boston.

 

 

A articulação seminal de Fanon de como o colonialismo produz trauma, caos e perda só aumenta em importância com o passar do tempo. No seu trabalho, ele confronta as maneiras perturbadoras pelas quais a violência racial é repetida devido ao seu arraigo no imaginário cultural, apesar dos esforços dos sujeitos negros para se manifestar contra a dominação. Neste artigo vou discutir como seu trabalho pode nos ajudar a entender melhor o movimento do Black Lives Matter, que tem empreendido o trabalho restaurador de expor a violência contra as pessoas negras, colocando foco na branquitude e no olhar branco. Quero dar especial atenção aos aportes de Fanon na violência sobre a condição negra e como as pessoas negras devem transformar essa violência em atos de resistência. Começo discutindo um momento formativo no texto de Pele Negra, Máscaras Brancas, quando Fanon se sentiu conscientemente obrigado a transformar a violência do olhar branco em ação. Continuo descrevendo como o movimento do Black Lives Matter tem canalizado a violência cotidiana contra as pessoas negras americanas numa dinâmica poderosa. Termino refletindo sobre a continuidade entre o Black Lives Matter e os movimentos americanos anteriores, mesmo quando eu levo em consideração como as suas características únicas parecem estar moldando novos modos de representação na mídia tradicional dominante.

 

Quando era jovem, Fanon adotou o conceito de “literatura comprometida”1, de Jean- Paul Sartre e, aos 26 anos, escreveu Pele Negra, Máscaras Brancas (1952) com um objetivo claro: identificar o racismo, seus fundamentos sociais e funcionamento, seus efeitos nos homens negros, como ele próprio, e, mais importante, a necessidade de atuar diante da discriminação. Fanon, no seu trabalho como teórico psicanalítico, invocou poderosamente os traumas persistentes do racismo e a terapêutica da mudança psíquica e social.

 

“A articulação seminal de Fanon de como o colonialismo produz trauma, caos e perda só aumenta em importância com o passar do tempo. No seu trabalho, ele confronta as maneiras perturbadoras pelas quais a violência racial é repetida devido ao seu arraigo no imaginário cultural, apesar dos esforços dos sujeitos negros para se manifestar contra a dominação”.

Fanon coloca em primeiro plano o momento em que ele procurou transformar essa violência contra os homens negros em ação nas linhas de abertura de A Experiência Vivida do Negro (The Fact of Blackness), um capítulo fundamental de Pele Negra, Máscaras Brancas. Lá ele relata dois ataques verbais esmagadores e emblemáticos que ele sofreu como um homem negro vivendo na França. Eles são, primeiro, o epitáfio comum “Negro sujo!” e, segundo, “simplesmente”, como Fanon coloca, o comentário causal de uma criança para sua mãe: “Olha, um negro!” (Fanon, 1967, p. 109) 2. Essas observações, por serem extraordinárias e cotidianas, levam Fanon a refletir sobre o paradoxo de viver como um homem negro numa sociedade racista e colonial.

 

Inexperiente e paralisado pela objetivação, Fanon se vê sendo restaurado ao mundo pela atenção dos outros – a atenção muito libertadora e vital do testemunho – apenas, e quase imediatamente, para “(atrapalhar)… os movimentos, as atitudes, os olhares do outro (me fixando) lá…” (Fanon, 1967, p. 109). Assim, ele começa a apresentar o paradoxo que é um elemento chave no seu trabalho: o fato de ser duplamente visto e não visto ao mesmo tempo. Geralmente, sentimos que, ao sermos vistos, nos é atribuído valor e, portanto, procuramos isso, mas o que Fanon percebe é que, como um homem negro, ele é fundalmente não visto, ele está presente apenas como um objeto. No entanto, este momento é de uma importância crucial porque a compreensão que isso provoca obriga Fanon a agir para transformar um imaginário branco que insiste na objetificação do homem negro. Ele também afirma com muita controvérsia que a negritude – da maneira como a maioria das pessoas negras a vive e a experimenta – é na verdade uma criação, e uma reação à branquitude, à história e à cultura branca, bem como aos imaginários raciais e coloniais brancos.

 

Ao expor o fato de que a maioria das experiências vividas pelas pessoas negras têm sido e continuam sendo construídas (ou deliberadamente destruídas) pelos brancos, Fanon procura não desvalorizar a experiência negra, mas promover uma ativa consciência crítica antirracista e, fundamentalmente, revolucionário-humanista entre as pessoas negras (bem como entre outras pessoas não brancas e brancas). Essa consciência ativa é o que torna o trabalho de Fanon chave para os movimentos contemporâneos antirracistas como o Black Lives Matter.

 

Seu chamamento ressoa, por exemplo, no pensamento de Alicia Garza, uma das fundadoras do movimento Black Lives Matter. Em outubro de 2014, ela publicou a seguinte herstory: “Black Lives Matter é sobre isto: como vivemos num mundo que nos desumaniza e ainda somos humanos? A luta não é apenas sermos capazes de continuar respirando como um humano. A luta é realmente poder andar na rua com a cabeça erguida – e sentir que pertenço a este lugar, ou que mereço estar aqui , ou que apenas tenho o direito a ter um nível de dignidade”.

 

 

 

Entrevista com as fundadoras do Black Lives Matter | Alicia Garza, Patrisse Cullors, Opal Tometi

 

 

 

Na sua articulação do direito de viver num mundo com dignidade, Garza se envolve diretamente com a experiência de Fanon sobre a criança que comenta tão casualmente a negritude do autor. Para Garza, essa luta pela dignidade é urgente. Nos Estados Unidos contemporâneo, os rapazes podem carregar armas e o racismo casual pode frenquentemente se tornar fatal. É por esse motivo que o Black Lives Matter exige que os americanos prestem atenção à relação entre o racismo casual e inconsciente, as mortes frequentes de homens negros, e os igualmente frequentes casos de agressores brancos. Desde que George Zimmeerman, um vigilante branco, foi absolvido por matar Trayvon Martin, em 2012, o Black Lives Matter tem insistido que os americanos enfrentem o fato real da brutalidade contra jovens negros. E mais, tem reclamado ação para reconhecer holisticamente as razões e os resultados da violência racial e sistêmica.

 

Nos Estados Unidos, a violência recorrente acontece, em parte, por causa dos clichês persistentes sobre os jovens negros, que continuam alimentando a imaginação de alguns policiais e do público em geral. Isso aparece nitidamente nas palavras de Darren Wilson, o policial que matou ao Michael Brown, em Ferguson, Missouri. Numa entrevista publicada no The New Yorker um ano após o fuzilamento, Wilson é citado dizendo: “Não podemos resolver em trinta minutos o que aconteceu trinta anos atrás… Temos que resolver o que está acontecendo agora. Esse é o meu trabalho como policial. Não vou me aprofundar na história de vida das pessoas e descobrir por que elas estão se sentindo de uma certa maneira, num determinado momento” (citado em Halpern, 2015). Aqui, Wilson sugere que a violência racial não tem nada a ver com ele. Em vez disso, ele identifica que o problema tem a ver com “a história de vida das pessoas”. Ao fazer isso, ele indica que, mesmo um ano após do evento, tempo que ele poderia ter tido a oportunidade de refletir sobre suas ações, ele ainda mantém que a história de um Estados Unidos racializado não é sua e que outras pessoas (as pessoas negras) têm que resolver como se sentem, ou melhor, como não sentir os efeitos de um estado policial racista sobre suas vidas diárias. Então ele pode continuar fazendo seu trabalho.

 

 

Frantz Fanon

 

 

Como o caso do Wilson demonstra com tanta veemência, essa negação da importância da história e a recusa em examinar a própria percepção continuam a infligir violência sobre cidadãos nos Estados Unidos (e ao redor do mundo). Também nos leva de volta a Fanon, que insistiu que sentimos, ainda mais do que agimos. O “universo” no qual as pessoas negras se encontram é antinegritude, racista e supremacista branco. Não é um mundo que as pessoas negras tenham criado ou construído. Assim, Fanon argumenta que “devemos nos libertar” desse universo inóspito porque os indivíduos negros não são e não podem verdadeiramente viver, em qualquer sentido da palavra, vidas humanas livres, orgulhosas e produtivas neste mundo atual.

 

A afirmação de Wilson, de que ele não está envolvido nas condições da negritude não é nova. Nos últimos cem anos, escritores, pensadores e artistas negros têm documentado recusas semelhantes para enfrentar essa realidade3. No entanto, esse fato permanece invisível porque a sua perpetuação é controlada por discursos dominantes. (Os comentários do Wilson mostram esse argumento com clareza suficiente). Uma das inovações do movimento Black Lives Matter é o uso das redes sociais para mudar o foco do olhar dos corpos negros para a própria violência. Isso, em si mesmo, não é novo. Encontramos a mesma ideia, por exemplo, na obra Orfeu Negro, de Jean Paul Sartre. Escrevendo desde a perspectiva de um homem negro, ele desafia seus leitores a “sentir, como eu, a sensação de ser visto. Pois o homem branco desfruta há três mil anos o privilégio de ver sem ser visto” (Sartre, 1948, p. 7). Ele continua: “Hoje, esses homens negros têm fixado seu olhar sobre nós e o nosso olhar é jogado de volta em nossos olhos” (Sartre, 1948, pp. 7-8). No entanto, o movimento Black Lives Matter retorna o olhar branco com uma diferença importante. Ele usa as redes sociais como plataforma para exigir que as pessoas negras sejam tratadas como seres humanos. Hoje, qualquer pessoa pode tirar uma foto que tem o potencial para circular globalmente. Como a acessibilidade e a onipresença, têm se tornado comuns as imagens de violência, o Black Lives Matter tem criado um modelo de como usar a tecnologia para continuar a luta pela dignidade das pessoas negras.

 

“Eu vim ao mundo impregnado com a vontade de encontrar um significado nas coisas, meu espírito cheio do desejo de alcançar a origem do mundo, e então descobri que eu era um objeto no meio dos outros objetos”, Frantz Fanon.

Partindo dessa importante intervenção contemporânea, xs estudiosxs negrxs são cada vez mais eloquentes na sua insistência para que os indivíduos brancos examinem tanto seus próprios comportamentos quanto a sua adesão a ideias abstratas de nação, país e justiça. Como Fanon, elxs estão reclamando um exame holístico de como as instituições perpetuam e até reforçam as injustiças raciais que afetam o bem-estar – e até as próprias vidas dxs americanxs negrxs. No seu artigo de opinião para o The New York Times, intitulado Sacrificando as vidas negras pela mentira americana (Sacrificing Black Lives for the American Lie), Ibrahim X. Kendi responde convincentemente à decisão de um júri de Minnesota que coloca a responsabilidade pela morte de Philando Castile não no policial que atirou nele, mas no próprio Castile apesar das evidências contrárias em vídeo; Kendi argumenta:

 

“Essa culpa da vítima negra atrapalha a mudança que poderia impedir mais vítimas do violento controle policial no futuro. É possível que alguns americanos prefiram que pessoas negras morram do que matar as suas percepções da América? É a morte das pessoas negras mais aceitável do que admitir a realidade racista da América escravista, da América segregacionista, da América do encarceramento em massa? É a morte das pessoas negras o custo de manter o mito de uma justa e meritória América?”.

 

 

Black Lives Matter DC

 

 

 

O chamamento de Kendi ecoa com o de Fanon: reivindicar a validade das perspectivas que advêm da própria experiência de sofrimento, e a importância de lutar contra as forças que criaram, perpetuaram e ocultaram as profundezas desse racismo sistêmico.

 

O Black Lives Matter continua a luta pela dignidade que Fanon e outros pensadores exigiram no início do século XX. No entanto, enquanto o trabalho de Fanon está enraizado na complexa história da negritude e da luta anticolonial, o Black Lives Matter se envolve em condições semelhantes com a situação atual da brutalidade policial. Mas há um problema, para o qual eu considero que os líderes do Black Lives Matter vão além das próprias limitações de Fanon: trazendo sua própria diversidade de vida e experiências, eles têm expandido a diversidade de pessoas pelas quais é essencial lutar.4

 

Garza e os cofundadores do movimento, Patrisse Cullors e Opal Tometi, não são somente feministas e membros do BOLD (Organização Negra para a Liderança e a Dignidade – Black Organizing for Leadership and Dignity); elas são também ativas e eloquentes na sua luta pelos direitos LGBTQ+. Garza, por exemplo, tem abertamente enfrentado o fato de que, embora seu movimento tenha sido criado por feministas e lésbicas (Patrisse Cullors é abertamente gay), o patriarcado tanto negro como branco continua a usurpar as suas vozes. Garza escreve: “Homens heterossexuais, involuntária ou intencionalmente, têm pegado o trabalho de mulheres negras queer e apagado as nossas contribuições. Talvez se fôssemos os carismáticos homens negros – muitos estão se reunindo hoje em dia – teria sido uma história diferente, mas ser mulher negra queer nesta sociedade (e aparentemente dentro destes movimentos) tende a igualar a invisibilidade e a irrelevância”.

 

 

Black Lives Matter Minneapolis, em manifestação realizada em 2015.

 

 

É por isso que, para Garza, os direitos das pessoas negras devem convergir com os direitos de outros grupos, particularmente gays, trans e pessoas com deficiência (PcDs) que são oprimidas em suas próprias comunidades negras. Cada um desses grupos tem tido experiências significativas e únicas, e frequentemente tem se baseado nelas experiências para seus apelos à ação. De fato, o Black Lives Matter vai além dessas divisões que podem ser encontradas em algumas comunidades negras, que apelam para que as pessoas negras amem sua negritude, vivam sua negritude e comprem de produtores negrxs, mas que mantêm homens negros heterossexuais na frente do movimento, enquanto irmãs, pessoas que se identificam como queer, trans ou com deficiência (PcDs) recebem um papel de fundo ou não são reconhecidas em absoluto. O Black Lives Matter celebra a vida das pessoas negras queer e trans, as pessoas com deficiência (PcDs), os indocumentados, os indivíduos com antecedentes policiais, as mulheres e todas as vidas negras ao longo do espectro de gênero.

 

 

As fundadoras do BLM, Patrisse Cullors, Alicia Garza e Opal Tometi: “o Black Lives Matter celebra a vida das pessoas negras queer e trans, com deficiência (PcDs), os indocumentados, os indivíduos com antecedentes policiais, as mulheres e todas as vidas negras ao longo do espectro de gênero”.

 

 

 

A coexistência entre os direitos das pessoas negras e gays é uma parte importante da história americana. É uma das maiores alianças, um verdadeiro legado. É crucial interrogar o impacto das exclusões que acompanham os atos de categorização e se envolvem com as experiências de sujeitos marginalizados em suas múltiplas facetas, a fim de demonstrar a disfunção das categorias. O movimento Black Lives Matter não mostra homens negros caminhando ao lado daqueles que vitima só para criar divisões. Eles fazem isso para se certificar de que o racismo, o machismo e a homofobia continuam as iterações racistas e coloniais da alteridade.

 

No final, A experiência vivida do negro (The Fact of Blackness) continua sendo a base da realidade histórica para as pessoas negras ao redor do mundo, mesmo se a comunicação desse trauma implica uma formação de compromisso psicossocial que exija uma titulação cuidadosa dessas verdades. Eu afirmaria, de acordo com Audre Lorde, que “não existe diferença que nos imobiliza, (mas) o silêncio”. Dado que o machismo, o racismo e a homofobia são “condições reais em todas as nossas vidas neste tempo e lugar”, a nossa responsabilidade pela opressão dos outros (mesmo se somos nós mesmos oprimidos) exige que “alcancemos esse lugar profundo de conhecimento dentro de [nós mesmos] e atingir o terror e a aversão de qualquer diferença que mora lá” a fim de “que vejamos de quem é o rosto”.

 

No trabalho de sobrevivência precisamos quebrar o silêncio e responder aos outros, para fazer o que Lorde chama de poesia: a “destilação reveladora da experiência”. É aqui onde predicamos as nossas esperanças e sonhos em direção à sobrevivência, curamos as brechas devastadoras entre os sujeitos produzidos e multiplicados pelo trauma, e discutimos as construções opressivas e hierárquicas de diferença nos espaços psicossociais (e aqui não existem outros) onde a comunicação e a comunhão ocorrem.

 

 

Jovens participam de protesto organizado pelo Black Lives Matter Minneapolis, em 2015.

 

 

 

Esse trabalho continua e ainda ganha impulso em fóruns populares e dominantes como Netflix, que no verão de 2019 lançou a série Olhos que condenam (When they seee us), sobre as infames e falsas condenações de cinco homens de cor, Kharey Wise, Kevin Richardson, Antron McCray, Yusef Salaam e Raymond Santana Jr., acusados de um violento ataque e estupro, ocorrido no Central Park de Nova York na primavera de 1989. O objetivo expresso dessa série é expor a forma como as percepcões raciais continuam permitindo que esses tipos de injustiças grosseiras ocorram. Numa entrevista, a diretora, co-roteirista e produtora executiva Ava DuVernay descreve por que ela queria que a série fosse chamada Olhos que condenam em vez de Os cinco do Central Park, que tinha sido o título de trabalho da série. Ela explica: “Os cinco do Central Park parecia algo que tinha sido colocado sobre os homens reais pela imprensa, os querelantes, pela polícia. Tirava o rosto deles, tirava suas famílias, tirava seus pulsos e seus corações batendo. Os desumanizava. Eles são Yusef, Antron, Kevin, Raymond and Kharey, e precisamos conhecê-los e dizer seus nomes”.

 

Esse ato de revisar a história e reivindicar os nomes é apenas outra maneira pela qual xs ativistas negrxs contemporâneos estão forçando discussões sobre a branquitude na sociedade americana contemporânea. Olhos que condenam relata as complexas circunstâncias raciais que levaram esses rapazes à prisão pelo crime de serem negros ou latinos. Isso, juntamente com outros ativistas negros, nos pede que consideremos a perda da dignidade, de liberdade, até da vida, que, como a Claudia Rankine escreve no seu livro Citizen: An American Lyric, continua a ser inscrita em corpos negros e na pele negra. Até que essa memória, essa história e este momento atual sejam vistos, reconhecidos e honrados, até que os policiais brancos não possam mais comentar de maneira ofensiva “Olha, um homem negro” e em seguida o prendam ou o matem, a violência infligida aos corpos negros continuará, e a dignidade devida às pessoas negras será negada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

//notas

1. Littérature engagée, articulado pelo Sartre no “Qu’est-ce que la littérature.”. Para Sartre, escrever era agir.

2. As expressões originais são “Sale nègre” e “Tiens, un nègre.”

3. O filósofo congolês Valentin Yves Mudimbe (beautifully) articulou que a memória é parte da história na The Idea of Africa. Ver Mudimbe 1994.

4. Encontramos em leituras contemporáneas o desconforto aparente do Fanon pelas mulheres. Talvez isso seja mais claramente manifestado pelo fato de ele nunca citar diretamente seu envolvimento com o trabalho de Simone de Beauvoir, que certamente foi importante para o desenvolvimento de suas idéias. Como exibido no filme Frantz Fanon’s Black Skin White Mask, de Isaac Julien (1995), Fanon também era homofóbico.

 

 

 

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Frieda Ekotto

FRIEDA EKOTTO é professora dos departamentos de estudos Afro-Americanos e Africanos, Literatura comparada e Estudos francófonos na Universidade de Michigan (EUA) e autora de dez livros. Em 2017, co-produziu o documentário de longa metragem Vibrancy of Silence: A Discussion with My Sisters, que estreou na Universidade de Michigan. Naquele ano, ela também recebeu um título honorário do Colorado College e, em 2018, recebeu o prêmio Sub-Sahara no Zagora International Film Festival por seu trabalho no cinema africano.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.