janeiro de 2011

POR MAIS POETAS E MENOS SOLDADOS

Jessica Balbino

 

 

 

 

 

fotos MANDELACREW

 

 

 

 

 

 

 

Quitanda, mini-mercado, mães com crianças nos braços. Jogo de bola na rua, pipa no céu. Carro de som, trabalhadores apressados, Corre-corre frenético. Cerveja na esquina.

 

Tarde com sabor de infância. Despreocupação. Aconchego.

 

Interfono. Aviso quem sou. Subo os dois lances de escada e entro. Travo diante de tudo que vejo. É muita informação. De onde venho, não é comum encontrar tudo isso. Tanta coisa, disposta num só lugar. Em poucos metros quadrados, pelas estantes, nomes como Canto, Érica Peçanha, Sérgio Vaz, Ademiro Alves (Sacolinha), João Antônio, Preto Ghóez e Ferréz saltam aos olhos e brigam com camisetas que tem frases de músicas e poesias nas costas e disputam atenção com a vista da ampla janela, que localizada no segundo andar de um prédio na rua 13 de maio, no tradicional bairro do Bexiga – reduto de italianos, oferece cenas que lembram a autêntica periferia instalada no centro da maior metrópole da América Latina.

 

A intenção é rever os amigos, dar um “oi” rápido e sair rumo a outros compromissos, mas, a cerveja aberta, ali, assim, de repente, no estalo, no calor, convida para alguns minutos extras, encostada no balcão ou sentada num sofá, que fica ao lado de um grande acervo, disposto em pastas e arquivos.

 

Pouco tempo depois, novos amigos chegam, de outras partes do Brasil e a pressa vai embora na vontade de ficar. Água, refrigerante, balas e bombons. Tudo isso pode ser adquirido na bombonierie, ali mesmo, dentro da livraria Suburbano Convicto.

 

 

Pioneira no Brasil, é a única especializada em literatura marginal, com exemplares únicos e até mesmo raros, de autores já falecidos ou de edições já esgotadas. Entre os clientes, grande parte são amigos, que vindos de outros locais do Brasil, fazem do espaço uma parada obrigatória.

 

Saraus, encontros, debates e lançamentos. Semanalmente, dezenas de pessoas passam pelo espaço e consomem cultura, ora de forma gratuita, ora em forma de investimento, quando adquirem livros, filmes ou mesmo roupas, produzidas por quem vive na periferia e a representa.

 

Para Marcelo Gugu, o campeão da Batalha do Conhecimento deste ano, a livraria Suburbano Convicto é uma forma de incentivar o crescimento da literatura marginal. “Acredito que esse tipo de iniciativa consegue colocar oportunidades no caminho na literatura marginal. “Acredito que esse tipo de iniciativa consegue colocar oportunidades no caminho de quem, muitas vezes, não vê saída, sabe? Acredito que se existissem mais livrarias como estas, com preços acessíveis, assuntos reais e um ambiente ‘real’ poderíamos ter mais poetas e menos soldados”, considera.

 

 

 

COOPERIFA

 

Num extremo – zona sul – está, talvez, o mais famoso sarau da atualidade, o Sarau da Cooperifa. É lá que muitos rappers, ativistas, militantes e poetas se reúnem, religiosamente, todas quartas-feiras e como diz o criador do movimento, Sérgio Vaz, é quando a poesia desce do pedestal e beija os pés da comunidade.

 

Neste mês de outubro, o sarau completa nove anos e é uma referência, servindo para outras iniciativas, tanto em São Paulo como em outros estados brasileiros.

 

Assim, todas as quartas-feiras, sejam de chuva, céu aberto, com capítulos finais de novela ou jogos do Brasileirão, o Bar do Zé Batidão abre as portas para cerca de 300 pessoas que declamam suas poesias e constatam: a comunidade também compõe através das letras e do cotidiano.

 

O MC F.I.N.O. elogia o trabalho realizado nos locais “isso está enraizado dentro do nosso rap, que sempre buscou inspiração na literatura para escrever. É um suporte para gente, afinal, são novos espaços que se abrem para mostrar os trabalhos”, enfatiza.

Assim é a produção literária feita pelos excluídos: a definição de voz, atividade e exteriorização de um submundo.

 

Ligada aos antepassados negros e históricos da cultura mundial, os poetas marginais tentam eternizar através dos livros e das palavras os dias atuais, fazendo história.

 

A literatura marginal tem como objetivo tirar o país do “limbo cultural” e elevar uma forma de cultura autêntica para os menos favorecidos.

 

“Carai”, “é nóiz” e “tá ligado” são apenas algumas das expressões que aparecem nos textos da literatura marginal, sempre acompanhadas de descrições e cenas que refletem – em tudo – o cotidiano das comunidades e bairros periféricos.

 

Tentando provar que a imaginação é um campo sem fronteiras, os autores “marginais” escrevem sem medo, o que lhes afronta, consome, e martiriza. Em alusão a literatura de cordel, traz a essência do que é ser marginalizado. Demonstra, com vontade que a criatividade pode superar a falta de recursos.

 

Para Andrio Ferreira , militante e também rapper, os saraus são uma tática de burlar os esquemas pré-formatados pelas mídias. “Serve para mostrarmos nosso trabalho, nosso talento, nossos anseios e pensamentos e sentimentos, sem ter que atrelar rabo com gente que não tá nem aí para o que pensamos. É o respiro, a fonte de inspiração, onde eu me vejo, me identifico e sei o que tá escrito. Por mais que digam que é ficção, é o que eu vivo”, conta.

 

 

 

PERIFÉRICA E DIGITAL

 

Em comum com o hip hop há tudo. O cordel passou a ser chamado de literatura marginal, saiu do sertão e ganhou às periferias das grandes cidades. O repente agora é o rap, e os poetas marginais cantam sobre bases as suas indignações e não mais os “causos” de Lampião e Maria Bonita, ou João Grilo.

 

Para além das ruas estreitas e vielas da periferia, a literatura marginal já ganhou a rede mundial de computadores e ao contrário do que se pensa, ela inspira novos escritores. Assim que se levanta, ainda de madrugada, o escritor, empresário e agitador cultural Alessandro Buzo se conecta e atualiza os oito blogs que tem. Além de estar presente na rede e ser proprietário da primeira livraria especializada em livros de autores periféricos, ele dá chance a novos autores, tanto através das coletâneas que organiza como do blog Literatura Periférica, onde abre espaço para novos colunistas de todos estados do país.

 

 

Um dos colunistas é André Ebner, da cidade de Cravinhos-SP. Há dois anos e meio ele tem o próprio blog, além de escrever frases e pensamentos para o Literatura Periférica.

 

“A internet é uma ferramenta poderosíssima para a liberdade de pensamento”, considera o jovem que está escrevendo o primeiro livro de poesia.

 

No mesmo estilo há o blog Literatura Suburbana, que através do coordenador Israel Neto, faz publicações de livretos de poesias de vários escritores. “No último ano cerca de 30 escritores participaram do projeto e publicamos seis livretos, além de oficinas de produção literária e saraus”, define.

 

 

 

 

 

Jessica Balbino

JÉSSICA BALBINO é jornalista, escritora e militante do movimento hip hop.

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.