janeiro de 2015

O ESCRAVO E OS FEIJÕES

Redação

 

 

 

foto Bauer Sá

 

 

 

 

 

 

Há ainda uma grande produção literária de Carolina Maria de Jesus sendo descoberta e estudada, especialmente no universo acadêmico, e a Revista O Menelick 2ºAto tem a honra de publicar dois destes textos inéditos. São eles o conto O Escravo e o poema Os Feijões. Desta maneira, acreditamos estar contribuindo para a popularização dos escritos de Carolina Maria de Jesus. Somente assim sua obra permanecerá viva e andante não apenas por mais 100, 200 anos, mas para sempre, como toda a obra de um grande representante da literatura brasileira.

 

 

 

 

Os Feijões

Será que entre os feijões
Existem o preconceito
Será que o feijão branco,
Não gosta do feijão prêto?
Será que o feijão preto é revoltado?
Com seu predominador
Preçebe que é subjulgado
O feijão branco será um ditador.

 

Será que existem rivalidades?
Cada um no seu lugar
O feijão branco é da alta sociedade.
Na sua casa o feijão preto não pode entrar
Será que existem desigualdades
Que deixa o feijão preto lamentar
Nas grandes universidades
O feijão preto não pode ingressar
Será que existem as seleções
Prêto pra cá e branco pra lá
E nas grandes reuniões
O feijão prêto é vedado entrar?
Crêio que no núcleo dos feijões
Não existem as segregações.

 

 

*****

 

 

O Escravo

Quando inicióu o trafico de negrós para o Brasil os ricasos do Rio de Janeiro, fôram os primeiros que comprou negros para revender. E entre êles estava o meu bis-avô que foi revendido varias vêzes. E como quem compra é dono os pretos não tinham vontade propria.

Um preto apanhava muito ressolveu fugir. Embrenhóu-se na mata. Andóu indeciso até encontrar uma taba de indios. Quando êles viu o preto, pensaram que era uma macaco.

O preto quiz fugir. Foi atingido por uma flexa na perna e caiu gemendo. Os indiós aproximaram observando-o incredulo com a sua côr preta. Côr da nôite. Carregaram o preto para a taba. Ritiraram a flexa, o sangue jorrou-se.

Eles provaram o sangue. Era doçê igual ao sangue dós brancós. E era vermêlho igual ao sangue das féras, que êles habatiam. Falavam. E o preto não entendia. Mas o gemido do preto era igual ao das pessôas feridas. Pensaram será que êste homem de pele preta da côr da nôite, é melhor do que ós brancos? Ressolveram curar a ferida que sangrava. Puzeram uma infusão, e a dôr cessóu-se.

Deram ao negro carne de avês e pêixe para comêr, e frutas selvagens.

Mas conservaram o preto amarrado com cipó e embira. O preto chorava e pensava na sua mãe que devia estar amarrada no tronco. Recordava da Africa onde êle era feliz e podia cantar ao som da cuica e da canjarra. Um dia levaram o preto as margens do rio para lava-lo.

Começaram a esfregar o preto com uma pedra rustica, para clarea-lo. Dôis seguravam, e outro esfregavam.

Dêixaram o preto em carne viva. Ele chórava, e mórreu de dôr. Os indios pensaram que a sua cór preta, era sugeira.

Pobre preto que anciava a liberdade e encontróu a mórte. Ou de um gêito, ou de outro, o preto sempre encontra obstaculos na vida.

 

 

 

 

 

 

 

Transcrição e estabelecimento dos textos Raffaella Andréia Fernandez.

 

 

A Revista O Menelick 2º Ato é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.